segunda-feira, 31 de março de 2008

Daqui e dali... Vitorino Almeida Ventura

Lavagante,
um inédito de José Cardoso Pires


As minhas obsessões mantêm-se.
São sobre a luta do indivíduo
em manter a sanidade quando tudo
à volta está louco.

Lydia Lunch

Sobre a questão do Anonimato e suas bifurcações, sob pseudónimo ou heterónimo, nos blogues, tratada inteligentemente por João Lopes de Matos, oferece-me citar do conto agora publicado de José Cardoso Pires, mutatis mutandis:

‹‹Um lavagante é um crustáceo primitivo, sem grandes requintes na cozinha. É mais saboroso que a lagosta e parece que mais selvagem porque não se adapta tão bem aos viveiros.››. Como diz o crítico Pedro Mexia, também bloguer convicto, no estilo poético dos seus aforismos, ‹‹o lavagante alimenta o safio/que depois devora››. — E quantos, em blogues, não alimentam safios, para depois os devorarem, convictamente?, estabelecendo uma ponte entre este mundo e o da ficção de Cardoso Pires.

Abrindo portas para um mundo crudelíssimo, à imagem virtual do nosso Antigo Regime em Lavagante, uma fábula escrita entre 1963 e 68, como seria a do Dinossauro Excelentíssimo, em 1972… Na esteira de Fernando Rosas, sobre as prisões do Verão Quente, tal mundo já não é legalmente definido pela Censura (pois já não persegue oficialmente o que se escreve), mas, de forma capciosa… Ela existe! Ela escreve! Como o professor titular russo Ivan I., refere — a Mão Oculta prescreve ela-própria dictats estalinistas ou de novos papas surrealistas em especulações e insinuações das mais torpes, como se fossem uma polícia política (que persegue o que se faz: aliás, tudo o que se faz).

Muitos Administradores (palavra tão capitalistica_
Mente selvagem) em blogues, diz o professor titular, que também leu Cardoso Pires — dedicam-se a cultivar ‹‹vinho, mulheres e touros››, a santíssima trindade do português castiço. Ou, como Cecília, personagem do livro, estão contra, e, na sua lavagância (seduzindo Daniel, um médico oposicionista, depois o entregando à polícia), imaginam a ‹‹reconstituição do hímen››, que apaga o pecado e o sangue. Sim, a traição é o processo,

pelo qual ela recupera a sua inocência. Afinal, como diz o narrador, ‹‹as mulheres independentes têm o vício da autoridade››. Ora, sob a traição
e a autoridade, não espanta que, muitos desses Administradores, fiquem depois (cada vez mais) com o seu ‹‹Encontro Desabitado››: precisamente, o subtítulo do conto Lavagante.

vitorino almeida ventura

2 comentários:

Unknown disse...

A sua complexidade e a ânsia de plenitude inferiorizam-me e assustam-me. Mas,como o pssarinho atraído pela cobra,o seu estilo seduz-me e subjuga-me.
No entanto, neste texto, usa palavras pelas quais não nutro especial simpatia:traição,p.e..
Não gosto da carga ética que transportam.
JLM

vitorino almeida ventura disse...

Ok, se isso nos divide - tanto gosto da carga ética (da fidelidade ao respeito pelo Outro), se já não nutro o mesmo pela carga moral católica, budista, islâmica, etc... Embora me interessem todas as religiões quando precisamente nos religam ao Outro.

Mas é exactamente isso que nos une - que não somos capazes de, ao auto-intitulado inimigo, o entregarmos... De lhe não reconhecermos qualidades, mesmo quando ele acha que estamos de certo modo a ocupar o seu Lugar e nos entrega... à Morte.

Que hoje o Poder está na Palavra, e tantos o usam para excluir, discriminar. E nisso, como Maria Gabriela Llansol,sempre gostarei de o usar contra mim... Daí que sempre seja o psssarinho, como diz,
jamais a cobra, a não ser sob o efeito encantatório de uma flauta.

Fique bem,

Vitorino Almeida Ventura.