quinta-feira, 20 de março de 2008

Daqui e dali... Júlio César

O nosso espelho!

"Um ditador já é velho demais quando inicia a ditadura. Porque recorre à arte mais velha do mundo que é impor o seu mando a outros. E que me desculpem as senhoras da vida, o vosso ofício está longe de ser o mais antigo, ainda vocês não tinham descoberto a forma de ganharem os vossos honorários com as misérias femininas e já havia ditadores em funções. Porque qualquer ditador faz o que há de mais simples, ancestral e primitivo no mundo e que é mandar pela força.

Os povos deviam, no estado adulto em que nos julgamos, ser poupados ao primarismo do mando bruto. Mas o ancestral é rijo como cornos. Custa a desfazer. Se custa.

O pior de uma ditadura é quando ela é servida por um ditador velho. Sobretudo quando envelheceu na arte de ser ditador. Di-lo quem sabe de uma vida a gramar um ditador longevo e, sempre, mais e mais teimoso. Tão teimoso que morrerá estúpido e deixará uma herança de estupidez. E tão estúpido que nos quis ensinar a arte de obedecer. E ensinou, essa é que é essa. Pois, a estupidez também é antiga. E a ditadura é a arte da velhice.

Os fins dos ditadores, como todos os seus actos, são encenados minuciosamente pelas suas cortes. Mesmo as suas respeitáveis decadências humanas. Há qualquer coisa de nefando e obsceno na forma como se castigam os ditadores com o prolongamento forçado da encenação do seu mando para além da capacidade física e intelectual para mandar o quer que seja. Ditadores moribundos, ou para lá caminhando, são sujeitos a grotescos jogos de resistência ao fim da vida. Na efémera mensagem de que são eternos. Foi assim com Salazar (a quem representaram a senilidade teatral de que ainda mandava quando Marcelo já despachava na sua vez); idem com Franco; o mesmo com Brejnev que, nos últimos anos, já tinha camaradas a sacudirem-lhe o braço para acenar encavalitado no mausoléu de Lenine. Agora, o nosso espelho não escapa à regra.

A ditadura é velha e sábia mas (por isso?) não tem nada de criativa. E é cruel, até para os próprios ditadores." - Água Lisa

Júlio César

3 comentários:

Unknown disse...

Não sei se Júlio César pretende manter diálogo ou apenas escrever.
Por acaso acha que a ditadura também pode ter virtudes ou apenas defeitos? Entende que a ditadura e a democracia(ou o diálogo) assim como o novo e o velho não lutam entre si até encontrarem o ponto de equilíbrio,que será a combinação dos dois pólos opostos?
JLM

Anónimo disse...

Por enquanto apenas pretendo escrever alguns textos para reflexão, os quais pretendo que sejam semanais ou quinzenais. Quanto ao diálogo, agradeço a sua disponibilidade, mas ficará para mais tarde.

Um abraço.

Júlio César

Anónimo disse...

Gosto dos seus artigos. Têm conteúdo, são isentos, sérios e inteligentes. Não me parece uma pessoa tendenciosa. É de pessoas assim que necessitamos. Continue a escrever e a expor, com isenção e imparcialidade, as suas ideias.Parabéns.