segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

BBC NEWS - The green west coast of Europe

On Wednesday Simon finds out why Portugal is building ten new dams and how it's adding to several existing dams, like the one he visited in Alqueva in the south of the country.

1 comentário:

mario carvalho disse...

Promessas

in Correio da Manhã

Aldeia da Luz
Cinco anos de solidão e revolta
















António P. Valente


Na tarde da passada terça-feira, em pleno centro da nova aldeia da Luz, no concelho alentejano de Mourão, pouco mais se ouvia do que o roncar do motor de um carro de mercadorias junto à única mercearia do Largo 25 de Abril e as sonoras batidas do relógio da Igreja do Sagrado Coração. Ao aperceber-se da presença de forasteiros, um morador que atravessa o largo para se sentar debaixo da única sombra lança uma resposta curta e sentida que esclarece todas as dúvidas: “Nestes últimos anos o Alqueva só nos deu desgostos.”







Cinco anos depois da primeira mudança de habitantes da velha para a nova Luz, devido ao enchimento da albufeira do Alqueva, a tristeza continua vincada nos rostos dos luzenses que viram naquela altura a água do maior lago artificial da Europa afundar, para sempre, a sua identidade. “A nossa história, a nossa cultura, a nossa vida, ficaram debaixo de água, a dez metros de profundidade, e nunca mais virá à tona”, frisa um dos moradores que se encontra no café Central, estabelecimento que agora pertence à última família a abandonar a aldeia, em Fevereiro de 2003.

Jerónimo Godinho, um reformado de 71 anos, ouve atentamente a conversa entre o CM e os três homens que petiscam e bebem cervejas ao balcão. Não aguenta dois minutos sem marcar a sua presença com uma opinião sobre o presente e futuro da povoação. “É uma aldeia que não é de ninguém e está ao abandono, isolada de tudo. Fomos enganados com promessas e assim que nos apanharam aqui fizeram-se de esquecidos.”

Mas o povo da Luz não carrega apenas mágoas. Transmite também revolta por não ter as oportunidades de emprego apregoadas há cinco anos pelo Governo. E angústia por não conseguirem inverter a tendência de declínio económico e social da aldeia provocado pela fuga dos mais novos para outras regiões de Portugal e para o estrangeiro à procura de uma vida melhor.

A família Ramalho – que em Junho de 2002 foi notícia no CM por ter sido a primeira de 200 a fazer a mudança para a nova aldeia devido aos riscos de libertação de gases que a trasladação do cemitério poderia causar à saúde do filho mais novo, submetido meses antes a um transplante de medula –, é um bom exemplo das dificuldades por que passa a população local. Manuel Ramalho esteve mais de ano e meio desempregado. Tudo porque as pedreiras de xisto do concelho, que forneciam matéria-prima para a fábrica de transformação de rochas ornamentais onde trabalhava, foram submersas. “Com o enchimento do Alqueva foi-se a fábrica da Portucel e as pedreiras de xisto. Gerou-se, em poucos meses, uma crise económica na região devido às centenas de pessoas que ficaram sem os seus postos de trabalho. Depois disso, estive quase dois anos desempregado. Foi um período muito complicado e pensei em emigrar”, refere este cantoneiro de 42 anos, que agora trabalha a contrato numa fábrica de transformação de mármores em Reguengos de Monsaraz.

Tal como os outros luzenses da sua geração ou mais novos, este homem, casado e pai de dois rapazes de 9 e 13 anos, ainda pensou que o Alqueva seria uma bóia de salvação. Todos tinham esperança de que surgissem investimentos nos sectores do turismo e agrícola geradores de dezenas de postos de trabalho. Mas estava enganado. “O que trouxe foi frustração e desespero. A agricultura ficou na mesma e o turismo nem vê-lo. Sem emprego as pessoas saíram da Luz para outras paragens”, diz, lembrando que aquando da construção da nova localidade foi prometida a construção de uma marina e parque de merendas.

Sinal da debandada é o número de casas fechadas na aldeia, que chegam a ser metade do total na rua de Manuel Ramalho. Algumas habitações com três ou quatro assoalhadas estão à venda por preços que rondam os 100 mil euros. Outras já têm novo proprietário. “São pessoas do litoral que querem uma casa para férias”, explica o luzense.

ABANDONO

Em 1999, ano em que se iniciou a construção da nova aldeia da Luz, viviam na freguesia cerca de 400 pessoas. Hoje, segundo os números da junta, residem apenas 360. “Ainda vai abalar mais gente porque não há perspectivas de emprego. Nem aqui, nem em todo o concelho de Mourão. Isto é uma miséria”, considera o presidente da Junta de Freguesia da Luz, Francisco Oliveira.

Nos últimos anos a freguesia viu sair oito famílias. Foram quase todos morar para Reguengos de Monsaraz, a cidade mais próxima da aldeia. “Os jovens estão a abalar. Muitos ainda aguentaram uns tempos para ver se conseguiam construir uma casa nos 14 lotes destinados a moradias, que só agora foram desbloqueados para venda em hasta pública”, frisa o autarca. A saída dessas pessoas, quase todas jovens, está a criar outro problema na freguesia, já afectada pela falta de médico de família. “No ano lectivo de 2007/08 estamos na iminência de fechar a escola que tem 12 alunos do 1.º ciclo e o jardim-de-infância, com seis.”

Contactada pelo CM, a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA) diz que o Plano de Ordenamento das Albufeiras de Alqueva e de Pedrógão cria as áreas e define as regras para o desenvolvimento das diversas actividades, incluindo a turística. “Cabe à iniciativa privada o desenvolvimento de projectos. A EDIA não prometeu nenhum dos equipamentos citados [marina e parque de merendas]”, referiu a empresa em comunicado.

REGRESSO

Mas na Luz também há quem regresse definitivamente após décadas de trabalho nos arredores da capital, principal destino dos luzenses nas últimas quatro décadas. Joaquim Vitória, cuja família foi a última a abandonar a velha aldeia, entrou para a reserva da Marinha, onde era sargento-ajudante. Aos 53 anos, deixou o Barreiro para começar uma nova vida na terra da sua mulher, atrás do balcão do café Central. “Já lá vão sete meses. O amigo que aqui estava decidiu emigrar e fiquei com o café para estar ocupado.”

Também no Largo 25 de Abril, Adelina Carrilho, 50 anos, está à porta da sua mercearia. “Só há trabalho temporário na agricultura durante quatro ou cinco meses num ano. As mulheres estão mais em casa. Os homens passam o tempo nos cafés.” Apesar de tudo, tem esperança num futuro melhor e acredita que um dia “haverá alguém que irá investir na aldeia e criar emprego”.

"SENTIMO-NOS DESPEJADOS DESTE LUGAR"

Francisco Oliveira, presidente da Junta de Freguesia da Luz, quase abandonou o cargo por se sentir impotente para resolver os problemas.

Correio da Manhã – Como vê esta aldeia cinco anos depois?

Francisco Oliveira – Está pior em todos os aspectos. Os compromissos que fizeram connosco não foram cumpridos e as pessoas estão saturadas de uma vida instável e angustiadas por não conhecerem o futuro. Sentimo-nos despejados neste lugar.

– Quais eram esses compromissos?

– Desde a construção do centro artesanal, passando pela marina, adega, posto de recolha de azeitona e parque de merendas. Nunca mais ninguém ligou à aldeia. Dentro da povoação há ruas em estado lastimável e ninguém sabe se é a EDIA ou a Câmara de Mourão que têm responsabilidade por estas situações.

– O que fez para resolver os problemas?

– Estou farto de mendigar, mas como esta é uma freguesia sem lei, a junta não tem competências para poder actuar no planeamento. Sinto-me impotente para resolver os problemas. Em 2005, fui ameaçado numa reunião na Câmara de que pagaria 250 mil euros se mexesse no Largo 25 de Abril. Queria apenas pôr umas árvores e uns bancos para os velhotes se sentarem. Na altura estive para fechar a porta da Junta, mas senti que ao fazê-lo estava a ser cobarde para a população, que não tem culpa das maldades que os governos fizeram à aldeia.

– O turismo é uma realidade ou uma ‘miragem’?

– O Alqueva não deu nada à aldeia, só tirou. Com o consentimento de alguém, a albufeira matou todo o concelho de Mourão. O que é que nós temos para oferecer? Nada. Até já fecharam dois cafés porque não há gente para eles. Os turistas vêm à aldeia para visitar o museu e fazer chichi.

JOVENS DA LUZ 'FOGEM' PARA REGUENGOS

Dulce Mendonça, 24 anos, vai seguir o exemplo de oito jovens famílias que abandonaram a aldeia da Luz. Depois de casar, a 25 de Agosto, o futuro lar será em Reguengos de Monsaraz, cidade onde trabalha numa pastelaria. “É triste mas tem que ser assim. Esperámos muito tempo pelos terrenos na aldeia da Luz mas como nunca foram disponibilizados decidimos comprar um apartamento T2 em Reguengos”, conta. Dulce sente que os jovens estão a ser “empurrados para fora da aldeia” devido à falta de trabalho. “Nós vamos saindo e ficam só cá os velhotes. Se estivesse na velha aldeia ficava com mais saudades porque foi lá que vivi a minha juventude”, remata.

ALQUEVA REGA 400 HECTARES

Os agricultores da aldeia da Luz foram os primeiros no Alentejo a beneficiar da água da albufeira do Alqueva. O perímetro de rega abrange, actualmente, 330 hectares de olival, 82 de vinha e 10 de ferragial e hortícolas.

José Guerreiro, 49 anos, tem dedicado a sua vida à agricultura. Na velha aldeia tinha uma exploração pecuária. Agora explora seis hectares de olival junto à nova aldeia. “Com o meu pai e o meu irmão tratávamos mais de uma centena de porcos brancos”, lembra, enquanto crava a enxada na terra dura para colocar a protecção para mais uma pequena oliveira.

Com a inundação dos terrenos pela albufeira de Alqueva, a EDIA entregou a esta família uma área igual junto à nova povoação. “Ficámos com os mesmos 30 hectares. Seis são de olival e os outros 24 estão ainda por cultivar, mas de certeza que não serão para pecuária. Trabalhar no olival é mais limpo e dá menos despesas”, diz.

José Guerreiro espera agora pelo próximo ano para começar a colher azeitona do novo olival. “Vou entregá-la na Cooperativa de Mourão”, adianta.

HABITANTES DA ALDEIA SEPARADOS POR 96 ANOS

Leonor completa hoje três meses de vida. É a habitante mais nova da aldeia e vive com os pais numa casa emprestada pelo avô paterno. “Nasceu no Hospital de Évora. Agora está sozinha comigo porque o pai anda a trabalhar com uma máquina em Espanha”, diz a mãe, Márcia Guerra, 23 anos. O futuro da pequena Leonor ainda é incerto. A mãe quer continuar a viver na Luz, mas a falta de trabalho é um entrave ao sonho. “Gostava de trabalhar aqui, mas é muito difícil porque não há ninguém que invista. Estou também à espera dos terrenos para construir uma casa na aldeia”, refere. A poucos metros da casa de Leonor, o habitante mais velho da localidade, Manuel Rosa, 96 anos, está a acabar a refeição no centro de dia. Viúvo desde 1995, Manuel é dos poucos habitantes a elogiar a aldeia. “A minha casa era velha e não tinha dinheiro para a arranjar. Deram-me uma nova e já disse que me saiu a sorte grande”, frisou. Manuel da Rosa, que sempre viveu na Luz, diz que aquando da demolição da velha aldeia a sua “alma ficou mais pobre” mas nunca sentiu saudade nem dor. “A única coisa que me ficou a doer foram as pernas. De cabeça estou bom, mas custa a andar”, diz, soltando uma gargalhada.

PORMENORES

DEGRADAÇÃO

A população da Luz nunca esteve satisfeita com a qualidade de construção das novas casas. Fendas nas paredes e azulejos, esgotos estragados, e humidade são alguns dos problemas detectados. Nestes cinco anos a EDIA tem vindo a realizar um “diagnóstico” das patologias das construções que “será entregue ao empreiteiro” para reparação.

MUSEU

O Museu da Luz, inaugurado em Novembro de 2003, mostra nas suas três salas decoradas a xisto o espólio etnográfico, arqueológico e cultural das gentes da Luz. Este espaço de memórias contou no primeiro ano com quase duas mil visitas mensais. Actualmente, o número médio de visitas mensais é de 1100 pessoas.

TRAVESSIA A NADO

As águas da albufeira do Alqueva, entre as margens da aldeia da Luz, concelho de Mourão, e de Campinho, Reguengos de Monsaraz, vão contar amanhã com diversas provas de natação. Destaca-se a travessia a nado entre duas povoações, num total de dois quilómetros. As provas contam com centenas de participantes de todas as idades.
Alexandre M. Silva