Carlos Lage coloca algumas reservas à construção da barragem do Tua.
O presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte - CCDR-N diz que não se opõe à barragem no Tua, mas garante que só dará a sua anuência depois de conhecer a cota da albufeira, a integração na paisagem e ecologia do vale e o futuro para a ferrovia.
PÚBLICO - Concorda com a construção prevista para o Tua, mesmo sabendo que vai acabar com a linha do comboio?
Carlos Lage - Não sou nem um céptico, nem um entusiasta da construção da barragem da Foz do Tua. Ela tem, objectivamente, vantagens e desvantagens, configurando mesmo um conflito de valores difícil de ultrapassar.
Em princípio digo "sim" à barragem, seguido de um "mas". Sim, porque se trata de obter energia eléctrica a partir de uma fonte renovável, limpa, ao contrário do que sucede ainda com significativa parte das nossas fontes. Em boa lógica, Portugal deverá aproveitar o potencial tecnicamente explorável de energias de origem hídrica, quer através de centrais de maior vulto, quer por meio de "mini-hídricas". O projecto da Foz do Tua deve ser visto neste enquadramento. Permite a construção de uma central que é a de maior potencial entre as dez novas barragens cuja construção está prevista (seis das quais na Região Norte).
Agora os "mas" que coloco ao projecto e que poderei enunciar sob a forma de perguntas, ou seja: a barragem da Foz do Tua deve ser excepcionada por encerrar valores naturais e paisagísticos de valor incalculável? E ainda, situação verdadeiramente única, por vir a inundar uma velha e admirável linha ferroviária, testemunho do heroísmo do trabalho humano?A estas questões e interrogações só saberei responder, em termos definitivos, após a apresentação do projecto final da construção da barragem e, sobretudo, após as conclusões da Avaliação de Impacto Ambiental em que a CCDR terá uma grande responsabilidade e que assumirá com grande rigor. Só nessa altura, na posse desses dados, poderei dizer se o meu "sim", agora condicionado, se mantém. Entre as exigências e condições que importa conhecer estão a cota da barragem, a sua integração na paisagem e ecologia do vale e o destino (ou destinos) do todo ou partes da linha ferroviária.
A CCDR foi ouvida pelo Governo em relação à futura barragem?
Não, a CCDR não foi ouvida.
Como explica que se esteja a trabalhar para a barragem e a Refer continue a gastar dinheiro na recuperação da Linha?
O plano nacional que enquadra o projecto da barragem é publicamente conhecido, tendo sido sobejamente noticiado, não sendo possível alegar desconhecimentos por parte de quem quer que seja. Em todo o caso, a construção da barragem, embora prevista em plano, não está em curso, nem estão definidos os seus termos e capacidade. Nesse sentido, posso compreender que, neste contexto, os actores interessados pretendam manter as suas posições em jogo e em aberto, embora fosse recomendável maior capacidade de articulação institucional. Este é um dos muitos casos em que a existência de um governo regional, no exercício dos seus poderes, poderia intervir virtuosamente.
O Governo elegeu o Douro como aposta turística e o primeiro empreendimento que vai ser feito é a construção da barragem do Tua, que vai destruir um vale e inutilizar um troço ferroviário com grande potencial turístico?
A última parte da pergunta traz consigo uma afirmação radicalista e absolutamente discutível. O Governo elegeu e bem o Douro como um dos pólos prioritários de desenvolvimento turístico e não me parece que o grande potencial turístico do Douro possa ser tocado negativamente pela eventual construção da barragem. Tudo depende das exigências em matéria ambiental e construtiva que, como atrás referi, venham a ser colocadas ao projecto. Pode até sustentar-se que, numa zona com a sua beleza muito própria, mas seca e árida e com temperaturas abrasadoras no Verão, uma extensa superfície líquida poderá proporcionar outros atractivos e criar outras condições para o desenvolvimento do turismo.
A destruição do vale não pode beliscar a imagem do Douro como Património Mundial?
O leito primitivo do Douro era sem dúvida soberbo. Porém, hoje, já é difícil imaginar a paisagem vinhateira do Douro sem a presença permanente daquele imenso elemento líquido e sem - refira-se - a navegabilidade do rio, tão importante hoje para a afirmação do vale como destino turístico e como acessibilidade comercial. O espelho de água criado com as barragens faz hoje parte intrínseca do cenário e do imaginário do Douro, de que ninguém hoje aceitaria prescindir. Mutatis mutandis, poderemos vir a conhecer aspectos análogos no caso do vale do Tua.
É este investimento que a região precisa?
No caso do vale do Douro não foi assim e a navegabilidade do rio continua a promover o desenvolvimento da região, a vários níveis. É verdade que o impacto directo e imediato da construção de uma barragem se faz sentir mais intensamente na fase da sua construção. Mas não se pode avaliar a importância de um empreendimento desta natureza segundo critérios meramente locais e pontuais. Se olharmos para o atlas do potencial de energias de origem hídrica do país, veremos que ele se concentra no Norte. A exploração desse potencial, além de se inserir na gama das energias mais limpas, poderá também representar um impulso à capacidade de criar riqueza da região. Público
Colaboração: Mário Carvalho
1 comentário:
Esta entrevista é a prova da urgência do debate. Se até os Responsáveis/Governantes têm dúvidas, então nós...
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