terça-feira, 10 de julho de 2007

Daqui e dali... João Lopes de Matos

Eternidade

Mais uma vez vou tentar dizer o indizível. Se, por exemplo, o padre Manuel Bernardes o disse, porque não hei-de eu tentar dizê-lo?
Assentemos que a eternidade é o tempo que passa após a morte, no além, ou cá, após a ressurreição dos corpos. O tempo que se passa depois da morte será usufruído através da alma no céu.
Então, qual a necessidade de fazer ressuscitar o corpo? Por um lado o corpo é desnecessário, por outro, se ele ressuscita é porque, afinal, a vida eterna só tem sentido quando, após o juízo final, for vivida através do corpo.
Mas a vivência post mortem, dizem, não tem nada a ver com a vivência actual. Tem características inimagináveis. O referido Padre Manuel Bernardes (in "Pão Partido em Pequeninos") descreve o céu como o lugar que se situa para além da campânula azul, salpicada de estrelas, que cobre a terra. - Lá, por trás da campânula, estaria, segundo ele, o paraíso formado de prados verdejantes, sombras agradáveis, límpidos rios. O inferno (constituído de horrores) seria, claro, no centro da terra, pois de lá vem o fogo. Parece não ser esta hoje a visão da Igreja. Mas ainda hoje, no entanto, se põe o problema de saber como passar o dia a dia da eternidade. Não será, com certeza, como o passamos cá pois não temos o instrumento (corpo) necessário, a não ser depois da ressurreição de que agora não tenho ouvido falar.
Será como diz ainda o Padre Manuel Bernardes através da contemplação, do êxtase - e assim se passarão facilmente os dias, os meses, os anos, os séculos, os milénios, mas não se passará a eternidade porque esta não passa? Para terminar, para não ser longo, reponho a questão: -Como se passará a eternidade? - Que acham?
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João Lopes de Matos

5 comentários:

Hélder Rodrigues disse...

Já que parece ninguém atender à questão do prezado dr. João Matos, e como estamos em período de férias, aqui estou eu, com vontade de colaborar (espero) através da minha modesta opinião. De resto, este tema está muito relacionado com outro igualmente polémico: a religião.
Por outro lado, julgo que já desde Heraclito que o conceito de Eternidade anda associado à especulação filosófica relativa ao problema do tempo, no sentido de duração cósmica infinita, ilimitada... Também com Platão, a noção de E., tanto quanto me lembro, eleva-se ao mundo das ideias espirituais, segundo as quais,não existe a divisão do tempo (dias, meses, anos...).
Porém, na filosofia moderna, este mesmo conceito de E. tem perdido, ao que parece, importância em relação ao Ser (ontológica), sendo, em geral, considerado um atributo de realidades (do mundo, da consciência, da substância...). Mas é sobretudo na teologia cristã que este conceito é tido como fundamental, por ser considerado propriedade exclusiva de Deus.
Descendo, então, um pouco (ou muito) à Terra, vamos ao texto do nosso amigo JLM, onde afirma, a dado passo: "... mas a vivência post mortem, dizem, não tem nada a ver com a vivência actual". Ora, é legítimo questionar (com o máximo e devido respeito pela prática religiosa, seja ela de que credo for), NUMA PERSPECTIVA LAICA, AGNÓSTICA OU MESMO ATEIA (COMO SE QUISER, quem poderá dizer algo para além da morte, se esta interrompeu todo o sistema vital do Ser Vivo? Só, talvez, por um fenómeno de alucinação... E mais adiante, JLM pergunta: "Como passar o dia a dia da eternidade?". Então a Etrnidade é diacrónica? Ou mesmo sincrónica (recorde-se Platão acima referenciado)?! E ainda a seguir: "... mas não passará porque a eternidade não passa". Parece-me haver aqui uma contradição em relação ao conceito aqui abordado, pelas razões já apontadas e por outras que vêm a seguir. Ainda segundo aquelas perspectivas, questiona-se o conceito de "ressurreição": o que é isso? E antes de Cristo, quem ressuscitava? Quem é Deus? E, já agora, QUEM CRIOU DEUS? Para os não religiosos, tudo isto são conceitos criados pelo Homem desde que este passou a ser bípede e a viver em grupos societais...
O dr. João Lopes toma como paradigma deste conceito, o padre Manuel Bernardes (1644-1710), bem conhecido pelas suas meditações, jaculatórias, orações... enfim a sua arte sermonária, referindo-se JML, concretamente, à obra "Pão partido em pequeninos" (1694). Este autor, o padre M. Bernardes, teve, evidentemente, o seu valor e deixou a sua marca na literatura portuguesa da transição do séc. XVII para o XVIII. Mas sabe-se, que a sua bibliografia reflecte, em geral, aquilo que foi a sua vida contemplativa. Com efeito, ele viveu (?) durante 36 longos anos enclausurado, atrás de umas grades, escrevendo sempre com grande intensidade até dois anos antes de morrer completamente louco. Ao contrário de António Vieira, cujos Sermões eram mais "virados" para o exterior, i. é. mais "urbi et orbi", o padre Manuel Bernardes era mais contemplativo, mais virado para si mesmo e para o céu... Por isso, eles teriam ,certamente, conceitos algo diferentes de Eternidade.
Agora reparo ´como vai já longo o meu comentário! Peço desculpa por me ter alongado mais do que aquilo que pretendia mas, em pegando numa caneta... ela torna-se-me como que "eterna" entre os dedos...

Cordiais saudações para todos.

Hélder Rodrigues

Anónimo disse...

A sua contribuição, caro Prof. Helder ,é sempre valiosa, benvinda e enriquecedora. Sabe porque me referi ao padre Manuel Bernardes?
Porque a sua linguagem é simples e
clara como eu desejo que a minha seja. Li,por mero acaso, o "Pão partido em pequeninos" e achei-o tão interessante pela sua simplicidade e pela exposição que
faz da doutrina da Igreja da altura
que me atrevo a recomendá-lo vivamente a quem goste destas coisas. Como sabe tem ainda uma
visão geocêntrica do universo mas
é maravilhoso pelas soluções que dá
a todos os problemas.
Na exposição dos diversos temas há
diversos tipos de abordagens e eu
escolho aquele que possa chegar a
mais gente.
Obrigado por me haver tratado por
JLM que adoro.

Unknown disse...

Prezados.

Não resisto a expor opinião. Se bem que menos informada que as vossas, a minha fruto de reflexões próprias, tem o valor que tem.

A Eternidade é um construto de base religiosa e como tal existe apenas nos que acreditam nela.

A Eternidade é um paradigma do Tempo.

O Tempo (definição) é uma construção humana, tão bela como toda a construção da Natureza porque sofreu os mesmos precessos adaptativos.

O Tempo (definição universal) é o ciclo individual de cada ser vivo.
E por isso o Tempo morre com o ser vivo.

Outra questão que o Tempo levanta é quanto vale o Tempo?
E a RESPOSTA é que O TEMPO VALE SEMPRE O MESMO.
O Tempo tem a mesma dimensão para uma criança e para um idoso. E a resposta está numa outra pergunta:

Porque é que um ano na vida de uma criança parece uma eternidade. E um ano na vida de um cinquentenário é uma pequena fracção de tempo?

Outro paradigma do Tempo é a Efemeridade.

Tudo é efémero porque nada é eterno.

Marx, Newton, Dali. são efémeros pois tal como os dinossauros, um dia desaparecerão.

É tudo uma questão de tempo...

Com todo o gosto.
Rui Lopes

Anónimo disse...

Caro Rui Lopes:
Importante é que se diga. Que se
corra o risco de dizer para que todos comunguemos as visões de cada
um.As achegas de todos é que nos
aproximam da totalidade.

Anónimo disse...

Como se passará a eternidade?
Aí está uma questão que nunca me preocupou.
Enredada na aventura da vida, habituei-me, face à impossibilidade de respostas, a encarar a morte como garantida. E depois? Logo se vê?
O quer que seja, será, seguramente, bom.
Ingénuo optimismo? Intuição? Irresponsabilidade? Esta postura, que nem sequer sei muito bem argumentar, tem-me permitido sobreviver às angustias do silêncio ostensivo do "outro mundo".
A verdade é que, perante os inevitáveis problemas que todas as vidas têm, perante o peso das decisões, os tormentos das escolhas, a leitura da necrologia sempre me provocou um claro alívio: a morte, com garantia de vida.