João Lopes de Matos resolvera rumar à eternidade. Rui Samões produziu sequencialmente um texto, entre muitos outros comentários de boa qualidade, sobre o Tempo. Depois, ainda Alzira Lima se pre_
ocupava com o Sol passar a Lua, como se diz em vox populi…
Isto tudo para focar na minha pobre erudição científica, beneficiando eu de viver num país que sublinha mais (n)a erudição das artes e das letras, embora aquela outra me tente e eu ceda de quando em vez.
Num exclusivo à revista Science & Vie, Etienne Klein, filósofo e físico, definiu o tempo como algo de primitivo, de 'originário', pelo sentido em que não fica derivável de nenhum outro conceito. E qualquer que seja a tentativa de o definir, torna-se ainda mais complicada, pelo simples facto de, na língua corrente, a palavra se tornar exageradamente polissémica. 'Tempo' pode designar a duração, a velocidade, a mudança, o porvir, a espera, o desgaste, o envelhecimento… No entender dos físicos, o tempo não passa de uma espécie de 'prisão com rolamentos': prisão, por não sermos livres de escolher a nossa posição no tempo (pois não podemos furtar-nos ao presente); com rolamentos, dado que o tempo prossegue (leva-nos do presente ao futuro). A questão prende-se, obviamente, em saber o que realmente faz avançar o tempo. Prosseguirá ele, por si só? Ou haverá alguns fenómenos que o movem?
Sobre _ sua origem, o físico disse apreenderem as ciências apenas as origens relativas: datas de início ou contextos de primeiras aparições. Deparam com dificuldades tremendas perante a noção de origem no sentido absoluto, isto é, quando considerada como uma criação pura a partir do nada. Efectivamente, toda a ciência para se construir precisa de um 'já lá (estava)'. Ora, a origem absoluta corresponde à emergência de algo por ausência desse mesmo algo: ainda nada é, e, depois, de repente, em algo se torna. Como é que a ciência havia de dar um estatuto à tamanha singularidade? Falar da origem do tempo deveria conduzir-nos a localizar o tempo no 'não tempo'. Semelhante aporia parece, antes, algo inultrapassável. Porém, fazemos de conta que a resolvemos, recorrendo a jogos de linguagem. Ao contar, não a sua origem, mas, sim, o seguimento de nascimentos que se lhe sucederam.
Já quanto a podermos acelerar ou abrandar o tempo, a relatividade restrita de Einstein enuncia que existem tantos tempos quantos os observadores que se dedicam a observar-nos, estando estes ligados a referenciais 'de Galileu', ou seja, em translação rectilínea e uniforme uns por relação aos outros. Cada observador encontra-se submetido ao seu 'próprio tempo', diferente dos demais. Neste caso, a duração de um fenómeno já não é idêntica para todos.
Finalmente, relativamente a existirem um ou vários tempos, o filósofo pensou que tendemos, naturalmente, a confundir o tempo e os fenómenos naturais: ao apercebermo-nos, por ex., de que à nossa volta existem fenómenos cíclicos, afirmamos, sem dúvida alguma, que o próprio tempo é cíclico. Assim, ao supormos que o tempo se parece com aquilo que inclui, estamos a admitir, implicitamente, a existência de uma multiplicidade de tempos: existiriam outros tantos diferentes quantas temporalidades diferentes há. Este procedimento organiza, portanto, em redor da diversidade dos fenómenos, uma espécie de proliferação do tempo, que resulta, principalmente, numa confusão de linguagem. Pessoalmente, Etienne Klein defende antes a ideia de que talvez apenas exista um espécime: o tempo físico onde, em seu interior, coexistem temporalidades múltiplas ligadas aos fenómenos.
vitorino almeida ventura, citando Etienne Klein
ocupava com o Sol passar a Lua, como se diz em vox populi…
Isto tudo para focar na minha pobre erudição científica, beneficiando eu de viver num país que sublinha mais (n)a erudição das artes e das letras, embora aquela outra me tente e eu ceda de quando em vez.
Num exclusivo à revista Science & Vie, Etienne Klein, filósofo e físico, definiu o tempo como algo de primitivo, de 'originário', pelo sentido em que não fica derivável de nenhum outro conceito. E qualquer que seja a tentativa de o definir, torna-se ainda mais complicada, pelo simples facto de, na língua corrente, a palavra se tornar exageradamente polissémica. 'Tempo' pode designar a duração, a velocidade, a mudança, o porvir, a espera, o desgaste, o envelhecimento… No entender dos físicos, o tempo não passa de uma espécie de 'prisão com rolamentos': prisão, por não sermos livres de escolher a nossa posição no tempo (pois não podemos furtar-nos ao presente); com rolamentos, dado que o tempo prossegue (leva-nos do presente ao futuro). A questão prende-se, obviamente, em saber o que realmente faz avançar o tempo. Prosseguirá ele, por si só? Ou haverá alguns fenómenos que o movem?
Sobre _ sua origem, o físico disse apreenderem as ciências apenas as origens relativas: datas de início ou contextos de primeiras aparições. Deparam com dificuldades tremendas perante a noção de origem no sentido absoluto, isto é, quando considerada como uma criação pura a partir do nada. Efectivamente, toda a ciência para se construir precisa de um 'já lá (estava)'. Ora, a origem absoluta corresponde à emergência de algo por ausência desse mesmo algo: ainda nada é, e, depois, de repente, em algo se torna. Como é que a ciência havia de dar um estatuto à tamanha singularidade? Falar da origem do tempo deveria conduzir-nos a localizar o tempo no 'não tempo'. Semelhante aporia parece, antes, algo inultrapassável. Porém, fazemos de conta que a resolvemos, recorrendo a jogos de linguagem. Ao contar, não a sua origem, mas, sim, o seguimento de nascimentos que se lhe sucederam.
Já quanto a podermos acelerar ou abrandar o tempo, a relatividade restrita de Einstein enuncia que existem tantos tempos quantos os observadores que se dedicam a observar-nos, estando estes ligados a referenciais 'de Galileu', ou seja, em translação rectilínea e uniforme uns por relação aos outros. Cada observador encontra-se submetido ao seu 'próprio tempo', diferente dos demais. Neste caso, a duração de um fenómeno já não é idêntica para todos.
Finalmente, relativamente a existirem um ou vários tempos, o filósofo pensou que tendemos, naturalmente, a confundir o tempo e os fenómenos naturais: ao apercebermo-nos, por ex., de que à nossa volta existem fenómenos cíclicos, afirmamos, sem dúvida alguma, que o próprio tempo é cíclico. Assim, ao supormos que o tempo se parece com aquilo que inclui, estamos a admitir, implicitamente, a existência de uma multiplicidade de tempos: existiriam outros tantos diferentes quantas temporalidades diferentes há. Este procedimento organiza, portanto, em redor da diversidade dos fenómenos, uma espécie de proliferação do tempo, que resulta, principalmente, numa confusão de linguagem. Pessoalmente, Etienne Klein defende antes a ideia de que talvez apenas exista um espécime: o tempo físico onde, em seu interior, coexistem temporalidades múltiplas ligadas aos fenómenos.
vitorino almeida ventura, citando Etienne Klein
2 comentários:
Caro Dr. Vitorino: O seu texto é de tal maneira superior aos meus que a mim só me apetecia deixá-lo falar e eu calar-me. Mas claro que todos temos o direito de dizer alguma coisa e cada um a seu jeito. Mas que é, com certeza, para o blogue e o seu proprietário(Dr. Rui) uma grande honra tê-lo como colaborador, disso não duvide. Aceite os protestos da minha grande consideração.
Gostei particularmente de três palavras que Klein se serviu para definir o tempo: "prisão com rolamentos".
Gostei também do dualismo "tempo - não tempo" e dos "vários tempos" que Einstein propõe.
Interessante Klein falar na ciclicidade do tempo. Quando eu falei nos ciclos individuais dos seres vivos no tempo.
Ao mesmo tempo que Klein, como bom filósofo e físico, sobrealimenta a hermenêutica levantando novas questões - "o que faz avançar o tempo?"
É esta questão que me fica na cabeça.
Nesta incursão ao tempo, descobri uma postagem do Zaratustra, em que citando Max Weber, refere:
"Perder tempo é, assim, o primeiro e, em principio, o mais fatal dos pecados. A duração da vida humana é efectivamente pequena e preciosa para que se tenha a certeza de que cada um é eleito. Perder tempo devido à sociabilidade, à ociosidade, à luxúria, ou até ao facto de se dormir mais do que o necessário para a saúde […] é digno de uma condenação moral absoluta."
Ora, assentemos os pés na terra, sejamos pragmáticos, e aproveitemos o tempo que temos.
Cumprimentos.
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