quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Daqui e dali... Augusto Rozeira de Mariz

Um professor mais novo deu uma certa animação a tudo aquilo, não só ensaiava um grupo dos alunos que tinham um bocado mais de ouvido, como ele dizia, mas treinou uma equipa de futebol para ir jogar contra outras escolas.No dia aprazado aí foram todos, em bicha dois a dois, encontrar-se com a escola de Pereiró, para ver qual tinha melhores jogadores.
O jovem professor esforçou-se, apurou-se: logo no começo do jogo, quando os dois capitães se cumprimentam, o da nossa escola tinha um galhardete, bordado, com as indicações da Escola Pública Número 94, e entregou ao capitão da outra equipa, que não tinha nada nem tinha pensado que houvesse aquelas coisas antes dos jogos de bola.Já não sei quem ganhou, mas foi coisa que ficou sem continuação. Numa ilha residencial mesmo colada à escola vivia um guarda-redes que era um dos melhores de Portugal; na segunda feira dava uma volta por ali, calçado com socas e umas meias altas de lã, via-se que estava a descansar depois de no domingo ter treinado toda a manhã, e jogado à valente à tarde.

Discutia nos intervalos com o professor, e quando parava, encostava-se e dobrava a perna direita em ângulo, assentava o pé na parede, dava umas palavrinhas aos rapazes da escola que vinham admirar um tão grande campeão que explicava, como se aquilo fosse tudo fácil, o jogo da véspera. Ao lado da parede onde ele se encostava estava um oratório, numa reentrância no muro, com umas imagens em azulejo e uma lâmpada pendurada, com uns versos por trás que diziam:
Socorrei, ó almas pias,
As tristes almas fiéis!
Lembrai-vos que em breves dias
No mesmo fogo estareis.
Por baixo havia uma fenda onde se podiam meter moedas, ou notas muito bem dobradas, que depois de fazerem o devido montante serviam para mandar celebrar Missas para resgatar as almas que sofriam no Purgatório, à espera de que alguém rezasse por elas para poderem ser transferidas para o Céu.

Durante as aulas, era-se informado que se ia ser vacinado, era contra a varíola; no diamarcado punham-se os rapazes em bicha, e ia-se avançando até a uma senhora sentada que dava uns riscos fortes no braço com um espécie de caneta, com o bico molhado num líquido branco que tirava dum tubo transparente muito fino, era preciso soprar. Os alunos ficavam com uma gota de sangue a escorrer, mas depois passava-se a outro, com a mesma caneta, só quando era preciso é que se abria mais um tubinho de uma espécie de creme branco, enquanto se recomendava que não se coçasse quando houvesse comichão, o que começava no dia seguinte e era um verdadeiro martírio, mas se se coçava ficava-se com uma marca no braço que parecia uma rodela de cenoura.

Havia também o que se chamava o BCG, mas isso passava-se longe, era preciso ir de eléctrico, só se tinha o resultado uma semana depois, um ou outro ficava em casa durante temporadas para melhorar. Dizia-se que tinham sido contaminados por pessoas que tinham cuspido na rua (o termo era “escarrado”), houve até um médico muito boa pessoa que fazia campanha contra o cuspe no chão. Chamava-se doutor António Emílio de Magalhães.

Contava-se que um francês, na estacão de comboios de Campanhã, ao ver um português a cuspir para o chão, disse na língua dele:“Olha, aquele já cantou o hino nacional”.E nos eléctricos havia um quadrinho que dizia:Proibido escarrar no chão.
Multa: 2$500
Reincidência: 5$000
Escarrar, embora a palavra não fosse do mais educado, sabia-se o que e que queria dizer; mas o que era a reincidência, não se chegava a adivinhar exactamente o que era.
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Augusto Rozeira de Mariz in PJ

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