segunda-feira, 28 de julho de 2008

Daqui e dali... João Lopes de Matos

SAPATEIRO RÁPIDO

Acabo de participar no funeral do senhor Albino, ultimamente conhecido pela sua actividade de sapateiro rápido. Qual é a história da sua vida para merecer ser aqui lembrado? - Vamos a ela:

Este senhor, à semelhança de muitas outras pessoas da Marinha Grande, foi um operário vidreiro. Trabalhava numa fábrica de vidro, onde, com os seus colegas, ao mesmo tempo que trabalhavam o vidro, iam idealizando uma sociedade perfeita, formada com base na igualdade, na justiça, no desenvolvimento, e essa sociedade, que começou por ser pensada como anarquista, tomou, mais tarde, a forma de socialista, devendo passar, por último, a comunista. Estas ideias eram para essas pessoas uma espécie de religião laica, que prometia o paraíso na terra.

Com o 25/4, todos esses operários julgaram chegado o momento de fazer a revolução, que pusesse em prática tudo o que até aí tinha sido sonhado.

Ao senhor Albino, que se julgava como fazendo parte da elite da classe operária, coube um papel importante nas tarefas que o PCP achou por bem (ou por mal) chamar a si. Se ele tivesse morrido nessa altura, teria, de certeza, um funeral de herói, com alta representação do comité central do PCP e de todas as estruturas distritais e locais do mesmo partido.

Mas ele viveu até hoje. Entretanto, a fábrica em que trabalhava fechou e ele teve que arranjar outra profissão. Com alguma sagacidade, fez-se sapateiro rápido e governou a sua vida com um certo desafogo.

Há dois meses, estando ambos no mesmo lado da rua, chamou-me. Reparei que caminhava devagar contra o que era seu hábito. Disse-lhe, a brincar: Então um sapateiro rápido anda assim tão devagar! Ao que retorquiu dizendo-me que estava muito doente e perto do fim, pois tinha um cancro no sangue e restava-lhe pouco tempo para resolver certos problemas, para os quais pediu a minha opinião. Disse-lhe que me mostrasse os olhos para eu poder ver se efectivamente estava mal. Perante a ausência de vermelho, disse-lhe um tanto a brincar: prepare-se, porque a viagem parece perto. -Preparar-me? Eu nem sei se há mais alguma coisa para além da morte - retorquiu.

Os dias passaram e deixei de vê-lo na loja. Hoje foi a enterrar.

Teve um funeral religioso, com missa de corpo presente.

O cortejo fúnebre foi silencioso, não vi ninguém de qualquer organismo do PCP. Além de alguns amigos (apenas amigos), entre os quais me incluía, vi caras de muitas pessoas simples, já velhas, que tinham nitidamente aspecto de "camaradas" vencidos pelo rodar dos anos e pelas várias desilusões.

Os marinhenses comunistas ou morreram ou não cantam já os amanhãs radiosos que hão-de vir. Penso que, com o senhor Albino, morre todo um passado e, com ele, uma Marinha Grande. Eu, por mim, só quero desejar paz à sua alma, se ela se libertou do corpo e ganhou autonomia.

João Lopes de Matos

3 comentários:

Anónimo disse...

Aqui está um claro exemplo da força da solidariedade do Partido Comunista...
A falência de um sistema que não passou de um grande bluf!...

Anónimo disse...

Não é só o Partido Comunista, são todos iguais só mostram mais aparato!!!

Anónimo disse...

A política deixou de ser uma arte nobre, para, nalguns casos, se transformar num modo de vida e de emprego dos néscios e incompetentes. Resultado, os jovens que são bons técnicos têm de ir trabalhar para o estrangeiro e singram na vida, para dar lugar a gente com aquela que acabei de referir. Enfim...