Um homem das terras planas chega aqui com a expectativa de encontrar o que para ele será exótico: altas montanhas como nunca viu. E eis que lhe surge muito mais que isso: as montanhas estão cá e impõem-se-lhe, esmagam-no, mas há, por toda a parte, os sinais do trabalho de quem aqui viveu ou vai vivendo. A esplendorosa natureza com tão abruptas arribas foi riscada do rio até aos cumes pelas doces linhas verdes das videiras donde virá o quente vinho que todo o mundo já bebeu e vai beber. Vou subindo, vou descendo, vou curvando e descurvando e tudo quanto vejo me fala do trabalho da gente que aqui vive na modelação da bela e agreste paisagem natural. Toca-me o coração, faz germinar em mim a felicidade de fazer parte deste povo capaz de arrancar o seu sustento de uma natureza impressionante, mas que exige tanta canseira de quem nela quer viver. Povo meu que, como eu já fiz, é capaz de partir para outras terras em busca do novo, do diferente, levando na memória imagens da terra onde se fez pessoa.
Em Carrazeda encontrei-me assim com a nossa tão forte, tão antiga identidade portuguesa: somos um povo que sabe amar a terra onde nasceu, sabe extasiar-se perante a sua beleza, sabe retirar dela o seu sustento; somos um povo que parte para longe querendo voltar. E voltamos porque a terra que amamos não pára de nos chamar.
Em Carrazeda, encontrei sinais de um passado mágico e sedutor: Ansiães com a românica igreja que nos transporta para um tempo medieval gravado em fantásticas imagens esculpidas no inesquecível portal e que nos deixa pensativos meditando no sentido de tão estreitas janelas. Ansiães apela à nossa ânsia de nos entendermos descobrindo o que em nós ainda vive do que imaginaram e construíram os nossos mais longínquos antepassados.
Em Carrazeda, descobri o Tua e o Douro tão diferentes e tão iguais: o Tua é uma fita de água que se desenrola entre linhas da terra cobertas por vides e sulcadas por comboios ocasionais; o Douro tem o mistério que nasce de uma toalha de água tranquila entre encostas que depressa chegam ao cume e passar no comboio pela borda de água desperta em nós o desejo de navegar o rio e de trepar pelos montes acima. Pelo que aqui disse com as palavras possíveis, deve perceber-se que a minha primeira viagem a Carrazeda foi um feliz encontro com uma terra a que anseio voltar.
Américo Meira
1 comentário:
"somos um povo que parte para longe querendo voltar."
Bonito, muito bonito.
Enviar um comentário