o poeta e o crítico
Escolhi assistir à apresentação do último livro de Manuel António Pina, Dito em voz alta, uma compilação de entrevistas suas — e está lá tudo que a sua grande obra de poeta contém.
Que não é escritor — mas leitor dele próprio. Lendo-se agora, num tempo diferente, é à distância do outro lado do espelho: um outro Eu. Que se desdobra também num Eu, num Tu, que se não confundem com o sujeito poético, pois apenas estão personagens, criações puramente dramáticas de. Que o falado só faz grande poesia quando nele ecoa um silêncio primordial, o infalável que se intui, como _ voz de um mistério original — e aí estamos tão próximos do divino... Que tantas vezes se revela nas coisas simples.
E toda esta poesia de cariz filosofante nos estaria tão bem, se não resolvesse depois (ou o apresentador Sousa Dias, em seu nome) vestir a pele do crítico, dizendo que em Portugal — ao tempo em que ainda viviam Eugénio e Sophia —, só havia 4 poetas que valeriam a pena... Assim,
perguntei-me se lá no fundo do seu Ego se não incluiria neles. — E o que faria com o resto? Se os lançaria à fogueira? Fiquei
espantado (e parece que a sua teoria é corrente nalguns círculos literários, embora os 4 poetas sejam, aqui e ali, diferentes), com a desconsideração que faz de toda uma rede absolutamente necessária da literatura popular, da literatura marginalizada, de muita da literatura erudita, como se só merecessem existência os maiores. E como se entre estes e aqueles não houvesse necessidade de um diálogo constante.
Como se sabe, alguns dos maiores beberam na baixa cultura, grandes ideias e fórmulas, para glosar. E por que razão os ditos menores não podem continuar a tentar... alcançar a Literatura?
Pensei no meu livro ‹‹Crónicas de Sancho Pança, que será apresentado no mesmo espaço, e vi que Manuel António Pina riscaria a vermelho Álvaro S., Campos Gouveia, Hélder Rodrigues, Gilberto Pinto, João Cardoso, J. Morais Fernandes e Mário Cândido Pereira — e, claro, a mim próprio... Embora perceba que o esquecimento faz parte da Memória, como disse \nM.A.P., não posso fechar todas as portas à tentativa que esta Vida sempre nos é — de sermos maiores e um dia... Mesmo que em Terra do Nunca possamos visar uma obra-prima.
vitorino almeida ventura
Post Scriptum: Neste momento, em Carrazeda, soube que vou criticado pelo lado, uma vez que o livro em divulgação dos 7 autores carrazedenses foi apoiado pela Câmara, e criticado pela frente, porque incluo desenhos do prof. Hélder de Carvalho. Eu só respondo que me leiam e apontem se mudei uma linha à integridade… Promovendo o diálogo entre Culturas.
ADITAMENTO:
Faz-me muita espécie ver grandes poetas a reduzir a História da Literatura a 3 ou 4 nomes...
Noutro dia, estava a ler "O lobo, o bosque e o homem" do cubano Senel Paz e está lá tudo — o direito da literatura de abordar qualquer tema social e político. O reconhecimento da diversidade na sexualidade, na religião e no pensamento político. Que o socialismo castrista criara uma sociedade heterossexual, ateísta e marxista-leninista. E
no fundo: quem discrimina empobrece e actua contra si próprio. Seja no Poder seja na Oposição. E é interessante ver como na década de 70 em Cuba os cursos de Literatura ou Filologia eram olhados com desconfiança porque não tinham utilidade, ao contrário do jornalismo, que era tido como revolucionário porque os jornalistas estavam sempre em contacto com a realidade, com os trabalhadores.
Tudo isto dever-nos-ia ser motivo de reflexão, a nível nacional quanto local. Que mais do que uma Crítica, este texto iluminado apela a uma auto-crítica, não em nome de uma Oposição, mas de uma pertença...
Não em nome de um activismo político, mas de uma liberdade de pensamento.
Noutro dia, estava a ler "O lobo, o bosque e o homem" do cubano Senel Paz e está lá tudo — o direito da literatura de abordar qualquer tema social e político. O reconhecimento da diversidade na sexualidade, na religião e no pensamento político. Que o socialismo castrista criara uma sociedade heterossexual, ateísta e marxista-leninista. E
no fundo: quem discrimina empobrece e actua contra si próprio. Seja no Poder seja na Oposição. E é interessante ver como na década de 70 em Cuba os cursos de Literatura ou Filologia eram olhados com desconfiança porque não tinham utilidade, ao contrário do jornalismo, que era tido como revolucionário porque os jornalistas estavam sempre em contacto com a realidade, com os trabalhadores.
Tudo isto dever-nos-ia ser motivo de reflexão, a nível nacional quanto local. Que mais do que uma Crítica, este texto iluminado apela a uma auto-crítica, não em nome de uma Oposição, mas de uma pertença...
Não em nome de um activismo político, mas de uma liberdade de pensamento.
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