Há determinados tipos de pensamentos e de actuações, que não são nada evolutivos.
São sempre os mesmos quaisquer que sejam as circunstâncias. Baseiam-se em princípios estabelecidos solenemente de uma vez por todas e os pensamentos e as actuações retiram-se deles numa espécie de silogismo lógico, de uma lógica infalível, inatacável.
À actuação baseada neles (princípios) e que permanece igual para todo o sempre chama-se, muitas vezes, coerência.
E um homem sente-se grande, sobretudo no domínio moral, por ser capaz de toda a vida adoptar procedimentos sempre iguais.
Mas será que pensamentos, actuações, procedimentos como os descritos estarão correctos?
Com certeza que se uma sociedade se mantiver permanentemente a mesma, sem alterações nenhumas, sobretudo tecnológicas, então tudo permanecerá, a nível mental e no domínio das referências, igual e correcto.
Mas não é isso que se tem passado na vida das sociedades: a mudança é a característica fundamental da passagem dos tempos, mudança que é tanto mais acelerada quanto mais recentes são os tempos.
Como é que as ideologias, as religiões, as políticas podem permanecer inalteradas?
As ideologias, se forem vagas, formadas apenas pelos princípios fundamentais, ainda podem resistir às mudanças. Os ideais, que elas consubstanciam, podem constituir guias (vagos, gerais, abstractos) para muitas gerações.
Já as práticas religiosas serão imunes à passagem do tempo? Se a língua, que era elo de ligação até determinada altura, deixar de o ser , como impedir que haja substituição pela língua que passa a vigorar? Se o meio de locomoção passar a ser o automóvel, porquê considerar que este é um luxo, condenável do ponto de vista religioso? Se o comer carne ou peixe passar a ser indiferente, que sentido pode ter considerar pecado comer uma coisa ou outra?
Na política, se determinadas soluções fracassarem, porquê considerar uma heresia a busca ou adopção de novas soluções?
Parece, portanto, que a obediência (coerência) em relação ao que vem do passado só pode ter algum sentido se estivermos apenas no domínio ideológico.
Nos outros domínios, a coerência, a obediência, a ortodoxia serão um entrave à necessária adaptação ao rodar dos tempos.
João Lopes de Matos
4 comentários:
Direi que a ortodoxia, em todos os domínios, é de facto um entrave no prosseguimento da vida...
M. Lameiras
"Contradigo-me? Pois bem, contradigo-me. Sou imenso, contenho multidões" Walt Whitman
Mariana
Começo por uma captatio malevolentiae:
Discordo do meu amigo JLM, quanto a criar uma excepção para a ideologia. Olhe o exemplo nazi ou estalinista, no limite. Não me diga que se vivesse aí, não se sentiria em algum momento a pôr-se em causa. E se os gregos nos ensinaram alguma coisa, foi o pleno questionamento de toda a super-estrutura. A não ser que o dr. JLM queira implantar um regime islâmico, aqui, a partir dos seus genes árabes. Se algo nos pode fazer coerentes é antes uma ideia de cidadania: o respeito do Outro (do Outro). Ou seja, uma base para a sã discórdia.
Quando falo em ideologia,refiro-me às ideias vagas, abstractas,quase intemporais,que não sofrem grandes alterações.
No estalinismo, nada se aproveitaria
para além da crença no viver comum,colectivo,em que todos se dessem as mãos para se entreajudarem.A aplicação desta ideia levou(mal)a arbitrariedades,a perseguições,a precipitações.
Por isso, actualmente, só há uma maneira(parece-me)de defender a ideia-base:que o modo de viver colectivo parta da iniciativa das pessoas que assim queiram viver.
No exemplo nazi,o que se pode aproveitar como ideologia é o amor e a defesa,em primeiro lugar e sem xenofobias, do que é nacional porque nós nascemos e vivemos ligados,em geral,a um país.
Quanto ao islamismo,aproveita-se o mesmo que se aproveita no cristianismo que é o amor ao próximo.
A aplicação concreta ,muitas vezes,traduz-se numa visão ortodoxa das coisas.
A sua última ideia di-la-ia de outra maneira:a discórdia com o outro será a base para uma sã concórdia.
JLM
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