Acabei de ler A Passo de Caranguejo de Umberto Eco e ainda estou nas nuvens...
1ª Uma das suas ideias é que, admitindo os sete dias da Criação, como um conto poético, que pode ser interpretado para além das sua letra, ‹‹o Génesis parece dar razão a Darwin: primeiro tem lugar uma espécie de Big Bang, com a explosão da Luz, depois os planetas ganham forma e a Terra sofre os grandes choques geológicos (as terras separam-se do mar), em seguida aparecem os vegetais, os frutos e as sementes, e por fim as águas começam a fervilhar com seres vivos (a vida surge a partir da água), os pássaros levantam voo, e só depois aparecem os mamíferos (é imprecisa a posição genealógica dos répteis, mas não se pode exigir demasiado ao Génesis).
Só no fim e culminar deste processo (e depois dos grandes macacos antropomórficos, imagino) aparece o homem. O homem que — não o esqueçamos — não é criado do nada, mas a partir do barro, ou seja, de matéria precedente. Mais evolucionista do que isto (ainda que em tom altamente épico) não se pode ser.››. Além da imprecisão dos répteis, após os pássaros, também a das plantas (digo eu), antes do sol e da lua, é coisa cientificamente impossível. Mas como se trata de uma esquematização poética...
2ª A Paixão de Mel Gibson revela um ódio deste pelo Nazareno, ‹‹indescritível, quem sabe que repressões antigas estará ele a descarregar de forma cada vez mais violenta no seu corpo, e ainda bem que a filologia não lhe permitiu ir mais longe, porque, caso contrário, teria mandado aplicar-lhe eléctrodos nos testículos, com um clister de petróleo por cima de tudo.
Onde os Evangelhos se limitam a dizer que Jesus foi flagelado (três palavras em Mateus, Marcos e João, nenhuma em Lucas), Gibson faz com que lhe batam primeiro com canas, depois com as correias com pontas de ferro, e por fim os maços, reduzindo-o a carne esmagada até ao limite, como um hamburguer mal passado.››
Hectolitros de sangue, transportados para as filmagens por imensos camiões-cisterna, com a ajuda de todos os vampiros da Transilvânia!
Umberto Eco citado por Vitorino Almeida Ventura
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