O brasileiro Paulo Mendes da Rocha, o terceiro de língua portuguesa a receber o maior prémio de arquitectura internacional, o Pritzker, depois de Oscar Niemeyer e de Álvaro Siza, disse ao Público cinco coisas (entre muitas) importantes notas soltas:
1ª Que a primeira dimensão do arquitecto é o senso político. O que se deve valorizar não é essa arquitectura de fachada, do espectáculo, do cenário... mas as redes de esgoto, de água, de gás, de electricidade, de comunicação, da internet, e disponibilizar tudo isso para que a população possa usar. Não existe cidade feita de monumentos e palácios. A cidade é feita de desejos... Existe antes que se faça. [O meu amigo João Lopes de Matos decerto concordará. Depois, quando se constrói, deve-se fazer o elogio da arquitectura. E isto o que é? É fazer brilhar a técnica.]
2ª Que a ideia da 'indústria do turismo' é um tanto apavorante. A graça do turismo é a espontaneidade feita da sedução de um lugar que se procura porque tem algo de invejável. Destruindo a vida local com artefactos, hotéis estapafúrdios, comidas mais ou menos estandardizadas, mata-se a essência do turismo. [Concordo em absoluto com.]
3ª Que se devem fazer exposições de arquitectura sem recorrer às maquetas e aos desenhos, pois são de uma abstracção... É como se os físicos quisessem fazer uma exposição do seu trabalho e se pusessem a pôr equações matemáticas nas paredes, em vez de artefactos que mostrassem os fenómenos naturais. [O Gilberto Pinto o que diria? Que as duas coisas?]
4ª Que os cientistas são mais poetas líricos... Ao mandar recolher amostras de poeira da cauda de um cometa, os próprios cientistas deram o nome à operação de "Stardust", uma música do Nat King Cole. E os arqueólogos que descobriram, há uns anos atrás, uma mandíbula do que seria a fêmea humana de uma época muito remota, chamaram-lhe Lucy, de "Lucy in the sky with diamonds", canção dos Beatles! [Adoro quando os físicos e os arqueólogos se passam e ficam musicólogos, poetas... &tc., num absoluto. Gosto mais de generalistas do que de especialistas, como se fosse possível existirem estes, ignorando as outras visões científicas sobre.]
5ª Mas a propósito de novos poetas: Que as relações masculino-feminino se alteraram, pelo que dentro dessa consciência quais serão os novos sonetos de amor? Já pensaram que "A garota de Ipanema" é de Camões? "É ela que passa no seu doce balanço a caminho do mar"... É Camões puro: "Descalça vai para a fonte Leonor pela verdura vai formosa e não segura". Vinicius de Moraes e Tom Jobim estavam lá observando a mesma coisa e sabiam. Não é plágio. [Isto tem que ver com a sua noção de arquitectura, de que se considera continuador da moderna brasileira dos anos 40/50, famosa em todo o mundo... Como consequência de uma abertura para a questão social da cidade contemporânea — feita pela Revolução Russa. Logo, temos que valorizar o que já temos. Não é conservadorismo. É uma maneira de fazer-se a si mesmo. Não nos obrigarmos a ser sempre novos, novos, novos... É a sua noção.]
vitorino almeida ventura, citando Paulo Mendes da Rocha
1 comentário:
O segundo ponto merece-me algumas reticências:nalguns locais não existe vida humana e porque não juntar à aprazibilidade dos locais todos os requintes modernos?
Eu, quando falo na indústria turística, penso sempre nos empregos que ela deve gerar para que muita gente possa viver com base nela e possa dar vida ao que está morto.
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