quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Daqui e dali... João Lopes de Matos

Silêncio, escrita e oralidade

O que vai seguir-se é a história da minha vida em termos de comunicação com os outros. Espero que possa ter algum interesse.
Logo que me dei conta que existia e que constituía uma individualida dediferente das demais, senti que a minha forma de comunicação predilecta era o silêncio. É claro que não era o silêncio puro mas este aliado à preocupação de fazer, de dar o exemplo, de expressar-me sobretudo por actos, obras, sem necessidade de explicação ou argumentação. As pessoas seriam capazes de ver que os meus actos tinham um sentido, pensava eu. "Res, non verba" era a minha divisa, desculpem a latinada.
Claro que o silêncio, o mutismo, não se explicava apenas por essa razão: - havia da minha parte uma dificuldade tremenda de argumentação ou, se quiserem, falta de confiança na palavra. Odiava o falar, aborreciam-me as conversas banais. Consequência: isolamento e silêncio.
Mas o ser humano tem necessidade de entender-se com os outros. Em mim isso era feito principalmente através da escrita. Nesta sentia-me um tanto à vontade, embora mesmo assim a escrita saísse lacónica, sintética, nada explanativa.
O meu relacionamento tornava-se difícil.
Até que descobri, já tarde, o prazer da oralidade.
Falar por falar, se necessário, passou a ser a minha palavra de ordem.
Tinha que habituar o cérebro a ouvir-se e a ter prazer no som, na explicação verbal, na argumentação vis-à-vis.
E a minha luta, ultimamente, tem consistido em ser capaz de falar, gesticular, ser simpático, irónico, sorridente, dizer por dizer, ser leve no que digo, não aceitar que a palavra é sagrada - pode dizer-se com ligeireza e superficialidade.
Cheguei mesmo à conclusão que a oralidade é a forma de comunicação que mais de acordo está com a vida. Esta é efémera, fugaz, a oralidade também o é. E devemos sentir-nos bem, instalados no efémero.
Há quem queira, através da escrita, deixar uma marca indelével para o futuro. Mera quimera. Houve, realmente, indivíduos que souberam dizer particularmente bem as coisas: os grandes escritores, os grandes pensadores. Mas todos eles passam e passam depressa, até o Garrett, o Camilo, o Alves Redol, o Carlos de Oliveira, o Fernando Namora, o Aquilino, eu sei lá, e outros que demoram um pouco mais a passar, o Camões, o Eça, o Fernando Pessoa, o Miguel Torga, para só falar nos portugueses.
O que hoje é verdade, amanhã deixa de o ser, o que hoje é belo, amanhã já não é tão belo assim. A ciência progride e vai retirando romantismo e originalidade a tudo. As coisas são o que são e o determinismo científico impõe-se contra nossa vontade.
Por fim, direi que o silêncio é necessário, a escrita também, mas é a oralidade que mais de acordo está com a vida.
A arte suprema é o teatro porque é ele que nos ensina a estabelecer relações orais e gestuais com os outros.
Pois se nós havemos de desaparecer um dia, então vivamos e comuniquemos com a forma mais volátil: a oralidade.
Quanto aos grandes escritores e pensadores, disseram coisas belas, é certo, mas agora é aos que vivem que pertence optar pelas soluções que lhes parecem mais acertadas.
Eu opto definitivamente pela oralidade.


João Lopes de Matos

17 comentários:

vitorino almeida ventura disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
vitorino almeida ventura disse...

Oh lá lá, bem me parecia que o seu ideal do Eu passava por Sócrates e Cristo que nem uma linha nos deixaram... Mas sobre o ar e a água
escreveu-se depois a palavra imortalidade!

vitorino almeida ventura

Anónimo disse...

Dr. JLM
Sou Alzira,
Nem jurista nem filósofa…
Todavia, presenteio-me ao ler, ouvir…e falar!

Não julgo que tenha descoberto, «já tarde, o prazer da oralidade…»…

O «tarde» não existe…absolutamente, pois que seríamos obrigados «a viver no Passado» … E, afinal,
não é o agora quem conduz?
Não é o Presente quem age o Futuro? (…)
«A ciência progride», sim, mas só
«vai retirando romantismo e originalidade a tudo»
se abandonarmos o FALAR, GESTICULAR, EXPRIMIR sentimentos, afectos, insurreição, reflexões…e…
grava-las
com garra na água e com leveza no papel!
Sentindo-nos o que se sente…e não consente!
Falando, escrevendo, lendo, interiorizando…para exteriorizar.

Escute o silêncio que escreveu o amigo Vitorino…
Que da imortalidade, fizeram o que somos e o que foram;
e o veículo não foi efémero.

(Há muitos anos eu gritei um gesto) – escrevi:

GRITO MUDO

Um grito selvagem inundou o meu mundo de recordações
E fez um eco tão profundo,
que até hoje ecoa em meus ouvidos.
Um grito selvagem,
que gritou tão alto como a própria verdade.

Contudo,
não conseguiu sair do meu coração.

Alzira Lima de Jesus Castro Pinto

Anónimo disse...

Amigo JLM,
Ainda a propósito da ciência/romantismo…
«Sou na verdade um viajante solitário e os ideais que iluminaram meu caminho e sempre me deram coragem para enfrentar a vida com alegria foram: a verdade, a bondade e a beleza.»
«O estudo em geral, a busca da verdade e da beleza, são domínios em que nos é consentido ficar crianças toda a vida.»
«O tempo e o espaço são modos pelos quais pensamos e não condições nas quais vivemos.»
«Você não pode prevenir e preparar-se para a guerra ao mesmo tempo.
A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação envolve o mundo.»
«A Ciência é uma tentativa de conseguir que à caótica diversidade de nossas experiências sensoriais corresponda um sistema de pensamento logicamente ordenado.»
Já dizia Albert Einstein…

Alzira Lima de Jesus Castro Pinto

Anónimo disse...

Talvez que um "físico" como Einstein tenha uma visão lógica e ainda divagadora ou liberta, como queira.Mas um "químico" terá a mesma visão?Não estará mais agarrado à relação de causa-efeito?O que eu quero dizer é que à medida que a ciência avança a nossa aparente liberdade fica reduzida a uma cada vez menor dimensão.

Hélder Rodrigues disse...

Respeitável dr. JLM:

1- "A oralidade é a forma de comunicação que mais de acordo está com a vida..."
E a escrita, não? Ambas usam o mesmo material (signos...) para nos (des)entendermos uns aos outros.
2- Então um escritor (ou qualquer outro criador de arte) não deixa marcas no futuro? Se JLM alude (e muito bem) a Garrett, Camilo, Camões, Eça, Pessoa, TORGA e outros, é porque, de algum modo, eles deixaram uma marca e não foi "indelével" (nem "passam depressa"), caso contrário, jamais nos lembraríamos deles e do enorme manancial literário que nos legaram.
3- "o que hoje é verdade, amanhã deixa de o ser, o que hoje é belo, amanhã já não é...". Mas, um escritor (criador) não procura dizer verdades nem belezas (o que é verdade? O que é belo?). Os (pre)conceitos serão uniformes? O artista não diz: CRIA! E para criar literatura é necessário transformar meras palavras em "pétalas"... para que, ao menos para si mesmo, nasça a mais perfeita flor...
4- "...é a oralidade que mais de acordo está com a vida.". Só se for numa perspectiva utilitária e fisiológica, porque, realmente, terá que usar o aparelho fonador... É que, tanto a oralidade como a escrita, são hipónimos da LINGUAGEM VERBAL (hiperónimo).
5- "A arte suprema é o teatro, porque é ele que nos ensina a estabelecer relações (?) orais e gestuais com os outros.". Queira perdoar-me, mas parece-me haver aqui algum desprezo (não intencional, claro) pela escrita. Se não, vejamos: Para o teatro ser comunicação através da expressão oral e gestual, alguém teve que o escrever, i. é. a oralidade e a gestualidade no teatro, só são possíveis como forma de interpretar algo que está escrito (criado).
A sua última frase é uma opção e, como todas as opções, elas são, necessariamente, respeitáveis.
Desculpe ter-me alongado um pouco com estes cinco pontos, mas pareceu-me que assim também poderei contribuir um pouco para "animar" o debate de ideias.

Respeitosos cumprimentos.

H. R.

Hélder Rodrigues disse...

No ponto "2", onde digo "e não foi indelével" pretendia afirmar e não negar. Por isso, deve ler-se que os autores referidos deixaram, efectivamente, uma marca INDELÉVEL, no sentido de que não se pode apagar, eliminar e que, por isso mesmo, os escritores NÃO "passam depressa"... como diz JLM no seu texto.

h.r.

Anónimo disse...

Responde JLM (respeitàvel:velho?):nunca sentiu o que é a estranha leveza do ser?
A existência é tão efémera,tão fugaz,que nunca lhe apeteceu viver como se voasse? A escrita fixa o que não deve nem pode parar;a oralidade integra-se em cada momento no ritmo da vida. Quando eu digo que os escritores passam,não me refiro ao tempo de poucas gerações. Quando eu falo de teatro,não estou a pensar não só em dramas representados mas sobretudo na representação necessária à vivência diária. De qualquer modo, veja como se tornou em pouco tempo obsoleto o "Frei Luís de Sousa"? Isto saìu-me ao correr do pensamento e da pena. Não se afija que não considero que a razâo está toda do meu lado.Mais uma vez pela sua participação altamente enriquecedora.

Anónimo disse...

Há um "não só" que deve ler-se "apenas" .No fim faltam "os meus agradecimentos".

Hélder Rodrigues disse...

- "respeitável" não é sinónimo de "velho" ("velhos são os trapos...")

- por sentir a cada momento "a estranha leveza do ser", é que me vou dedicando (muito mal) à escrita criativa...

- a escrita também é parte integrante (marcante) do "ritmo da vida"...

- o teatro representa a vivência diária, (e por isso) mesmo a oralidade...

- não considero o Frei Luís de Sousa obsoleto (e para lhe dizer porquê, teria que penetrar na Teoria da Literatura, o que não cabe neste espaço nem eu estaria disposto a cansar os leitores...).

- quanto à razão... qual razão? razão de quê? Isto não é um problema de razão e por isso... como poderia eu afligir-me com pontos de vista diferentes?...

Cordiais saudações do h. r.

vitorino almeida ventura disse...

Há sempre duas leituras...

No meu livro de cabeceira, "As lições dos mestres" de George Steiner, lê-se que antes da escrita, ao longo da sua história e em oposição à mesma, a palavra falada é parte integrante do acto de ensinar. O mestre fala ao discípulo. De Platão a Wittgenstein, o ideal de verdade vivida é um ideal de oralidade, de diálogo frontal. Para muitos Mestres e pensadores eminentes, o registo das lições na imobilidade muda de um documento escrito implica uma inevitável falsificação e traição.
Mas cuidado: não queira abraçar a visão e as doutrinas de Pitágoras, com evidentes implicações políticas: o domínio da cidade pela filosofia (no seu caso, ciência) — o ideal platónico.
Ou teremos de encenar como Ibsen ou Nietzche, em Assim falava Zaratustra, a paisagem de Empédocles: quando João Lopes de Matos prevê, como vários analistas, a morte a prazo de Carrazeda, pode também ler-se, para lá do fim do campo em Futurama, e só a Cidade, tão só, como esse sábio desejou a ruína do seu povo, pelas suas preguiça e mediocridade incuráveis, a sua própria subida ao monte Etna, lançando-se para a sua escaldante cratera, ficando a sandália no rebordo do vulcão...

vitorino almeida ventura

post scriptum: o meu caro João Lopes de Matos tem de ter, no entanto, o cuidado de, ao querer tantas vezes situar-se no meio, agradando a gregos mas nem tanto desagradando a troianos, de não cair em sofismos, com a carga pejorativa que lhe foi atribuída ao longo da história, havendo a capacidade de tomar qualquer partido com igual e factício brio retórico, em virtuosidade lógica sem substância ou referência ética, por uma argumentação (vista assim, des_
considerada) pouco honesta... Mas é, no entanto, _ melhor forma — uma vez que as nossas razões são apenas visões! E não haverá razões, digo: visões absolutas. Sei que, no fundo, tem mais um Guterres, como ideal do Eu, havendo-se um padre Grilo, do que Sócrates ou Cavaco, havendo-se Salazar...

Anónimo disse...

É tão extraordinário ver os desafios feitos pelo Dr. João Lopes de Matos, como os comentários que se lhe seguem.
Continuem.
Carlos Fernandes - Pombal

Anónimo disse...

O que me parece obsoleto no " Frei Luís de Sousa" é a trama sentimental que naquele tempo poderia ter sentido e que hoje não o terá de modo algum.Mesmo "Os Lusíadas" de Camões, quem conseguirá lê-los hoje em dia,carregados que estão de referências mitológicas actualmente ininteligíveis excepto para os estudiosos universitários.

Anónimo disse...

Caro VAV: - Não há que agradar a gregos e troianos, há sim que dialogar com gregos e troianos.
O que para si é sofisma, para mim é abertura de espírito. Pode realmente comparar-me com Guterres,sem padre Grilo,mas apenas na discussão dos problemas,não na hesitação em decidir.

vitorino almeida ventura disse...

Peço desculpa, onde se lê sofismos deveria ler-se sofismas, no meu comentário. E, como sabe, hoje os sofistas estão recuperados: foram eles que primeiro abraçaram a crítica textual. E eu nunca o vi como um sofista, mas havendo perigo de cair nesse tipo de argumentação. Agora, ficava-lhe muito bem as vestes do padre Grilo... Neste teatro global. Veja-se o que tem feito pelo pensar-ansiaes... como exemplo.

vitorino almeida ventura disse...

E é claro que lhe dou os parabéns. Quantas mais vozes houver em Carrazeda melhor.

ab.,

vitorino almeida ventura

Anónimo disse...

Alzira diz, escrevendo:

Dr. JLM diz, escrevendo:
«E a minha luta (…) em ser capaz de falar, gesticular, ser simpático, irónico, sorridente, (…) a oralidade é a forma de comunicação que mais de acordo está com a vida.
Há quem queira, através da escrita, deixar uma marca indelével para o futuro. Mera quimera. (…) Eu opto definitivamente pela oralidade.»

Ainda não entendi: expliquem-me:
Como é que alguém assim escreve tão visceralmente, ateando a escrita de outros?
Como é que alguém assim consegue ter 16 (DEZASSEIS) comentários ESCRITOS???

"Dêem-me seis horas para cortar uma árvore e eu gastarei a primeira hora a afiar o machado " – Abraham Lincoln

Alzira Lima de Jesus Castro Pinto