"Pare, Escute e Olhe" Documentário pretende defender a Linha do Tua. Sábado, a projecção foi só para as populações, actores improvisados que, entre as imagens, iam lamentando o fim anunciado da linha
Berta Cruz: "O comboio é para os pobres, deixem-no ficar!" João Nascimento: "A barragem que atirem co'ela ao rio, que se f...". Há quem divirja, mas a maioria de entre os povos servidos pela Linha do Tua maldizem o seu fim entre Mirandela e Foz-Tua, em Carrazeda de Ansiães.
Por seis dias que Berta e João não festejam os anos ao mesmo tempo. E já contam 77. Lado a lado no auditório de Mirandela, assistiram, anteontem, à apresentação do filme "Pare, Escute, Olhe", em que são protagonistas. "Um documentário tendencioso que pretende defender a Linha do Tua", avisou o realizador Jorge Pelicano antes de se apagarem as luzes, pouco depois das cinco da tarde.
Sábado. Céu nublado. Falta um quarto de hora para as duas. José Amaral, morador da Ribeirinha (Vila Flor), prepara o "táxi" fluvial. Solta o cadeado da dúzia de tábuas de um caixote de madeira a que chamam barca. Na margem de lá do rio Tua, em Barcel (Mirandela), uma mão-cheia de pessoas quer passar para a de cá, para ir ao documentário. "Maria do Carmo, tu não te mexas que eu não sei nadar!", alerta Adelaide Botelho para a companheira da curta viagem. "Ali p'ro meio é fundo…" torna, receosa.
"Jesus, há que vidas que aqui não vinha!", solta Carmo. "Olha vir agora com as compras à cabeça e ainda ir passar para lá de barco… tinha mais que fazer!", protesta Adelaide. Desprezam o caminho-de-ferro. "Não nos falta nenhuma, venha a barragem!". Chegam mais dois passageiros à margem da Ribeirinha. O resto da viagem faz-se a pé, até ao autocarro que espera junto ao "Lucky Luke", o café da aldeia que serve de ponto de encontro aos protagonistas do filme antes de rumarem ao auditório de Mirandela.
"Coitado do Ti Abílio", lamentam os que vão com pena dos que ficam. Um problema de saúde deixa-o ficar pelo banco de pedra, companheiro de dias a eito na velha estação de que fez casa. Ti Abílio Ovelheiro, 72 anos, é personagem central do filme e não vai ver o figurão que fez. "Ele havia de ter gostado de se ver", viria a confessar a mulher, Maria Adelaide Novo, no final da apresentação.
Talvez até tivesse estranhado a quantidade de "fuck" que aparecem nas legendas em inglês. Porventura, os ingleses não terão ainda encontrado tradução para a miríade de c...lhos e f…-se que abundam no seu léxico e que lhe saem tão naturais como o resto do que diz. Até o "pintas", cão de companhia, amigo do comboio nos tempos em que passava, haveria de ter ladrado abundantemente, tantas vezes ele aparece. Mas no auditório não entram animais.
João não se cala durante a hora e meia que dura o filme. "Olha, olha, lá está o móvel", gargalha. O móvel é a mulher. "Eu já nem lhe ligo", sussurra Berta. "Isto dá uma saudade do carambas!" interrompe o vizinho Henrique, quando as imagens mostraram o comboio antigo. E o moderno também, quando ainda fazia a ligação a Foz-Tua. E já lá não passa desde 22 de Agosto do ano passado, dia em que ocorreu o último de quatro acidentes na linha do Tua, com outros tantos mortos.
No ecrã surgem imagens de uma carruagem tombada, fora da linha, e ouvem-se os gritos dos passageiros em pânico. "É isto que nos vai tirar o comboio", suspira João. "Se não tivessem acontecido estes acidentes havia de andar cá muito tempo", acrescenta Henrique. E se nenhum remédio houver há-de perdurar para todos os tempos, quiçá numa placa colocada junto à campa da linha, a curta mas sentida frase de Jorge Laiginhas, o escritor de Alijó que acompanhou as filmagens: "Este comboio morreu enforcado por uma gravata… uma gravata de lei!" Eduardo Pinto, Leonel de Castro, JN
Por seis dias que Berta e João não festejam os anos ao mesmo tempo. E já contam 77. Lado a lado no auditório de Mirandela, assistiram, anteontem, à apresentação do filme "Pare, Escute, Olhe", em que são protagonistas. "Um documentário tendencioso que pretende defender a Linha do Tua", avisou o realizador Jorge Pelicano antes de se apagarem as luzes, pouco depois das cinco da tarde.
Sábado. Céu nublado. Falta um quarto de hora para as duas. José Amaral, morador da Ribeirinha (Vila Flor), prepara o "táxi" fluvial. Solta o cadeado da dúzia de tábuas de um caixote de madeira a que chamam barca. Na margem de lá do rio Tua, em Barcel (Mirandela), uma mão-cheia de pessoas quer passar para a de cá, para ir ao documentário. "Maria do Carmo, tu não te mexas que eu não sei nadar!", alerta Adelaide Botelho para a companheira da curta viagem. "Ali p'ro meio é fundo…" torna, receosa.
"Jesus, há que vidas que aqui não vinha!", solta Carmo. "Olha vir agora com as compras à cabeça e ainda ir passar para lá de barco… tinha mais que fazer!", protesta Adelaide. Desprezam o caminho-de-ferro. "Não nos falta nenhuma, venha a barragem!". Chegam mais dois passageiros à margem da Ribeirinha. O resto da viagem faz-se a pé, até ao autocarro que espera junto ao "Lucky Luke", o café da aldeia que serve de ponto de encontro aos protagonistas do filme antes de rumarem ao auditório de Mirandela.
"Coitado do Ti Abílio", lamentam os que vão com pena dos que ficam. Um problema de saúde deixa-o ficar pelo banco de pedra, companheiro de dias a eito na velha estação de que fez casa. Ti Abílio Ovelheiro, 72 anos, é personagem central do filme e não vai ver o figurão que fez. "Ele havia de ter gostado de se ver", viria a confessar a mulher, Maria Adelaide Novo, no final da apresentação.
Talvez até tivesse estranhado a quantidade de "fuck" que aparecem nas legendas em inglês. Porventura, os ingleses não terão ainda encontrado tradução para a miríade de c...lhos e f…-se que abundam no seu léxico e que lhe saem tão naturais como o resto do que diz. Até o "pintas", cão de companhia, amigo do comboio nos tempos em que passava, haveria de ter ladrado abundantemente, tantas vezes ele aparece. Mas no auditório não entram animais.
João não se cala durante a hora e meia que dura o filme. "Olha, olha, lá está o móvel", gargalha. O móvel é a mulher. "Eu já nem lhe ligo", sussurra Berta. "Isto dá uma saudade do carambas!" interrompe o vizinho Henrique, quando as imagens mostraram o comboio antigo. E o moderno também, quando ainda fazia a ligação a Foz-Tua. E já lá não passa desde 22 de Agosto do ano passado, dia em que ocorreu o último de quatro acidentes na linha do Tua, com outros tantos mortos.
No ecrã surgem imagens de uma carruagem tombada, fora da linha, e ouvem-se os gritos dos passageiros em pânico. "É isto que nos vai tirar o comboio", suspira João. "Se não tivessem acontecido estes acidentes havia de andar cá muito tempo", acrescenta Henrique. E se nenhum remédio houver há-de perdurar para todos os tempos, quiçá numa placa colocada junto à campa da linha, a curta mas sentida frase de Jorge Laiginhas, o escritor de Alijó que acompanhou as filmagens: "Este comboio morreu enforcado por uma gravata… uma gravata de lei!" Eduardo Pinto, Leonel de Castro, JN
4 comentários:
" Atirem com a barragem rio "
Atirem com tudo, se é essa a vossa vontade...
É bom pois, que tomemos consciência do que se vai passando à nossa volta e que façamos alguma coisa enquanto é tempo, cada vez mais vai sendo tarde para acordar-mos. MJFiel
O projecto de construção da barragem é que deve ir para o lixo.
Eu prefiro a barragem.
Vamos a isso!
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