terça-feira, 24 de agosto de 2010

Daqui e dali... Vitorino Almeida Ventura

No sofá, com o duende

Após ter visitado o empreendimento Lux Tavira Residence, para assistir aí mesmo, em Luz de Tavira, no dia 31 de Julho, a um concerto f a b u l o s o de Maria João e Mário Laginha, pela composição requintada (sem se haver por minimamente requentada), como dos maiores clássicos de jazz, pela voz que desce às cavernas mais profundas e sobe aos ares que lhe dá - das Áfricas às Américas, num dulcíssimo Chocolate...

Depois disso, há que recuar um pouco. E referir o ouvido clínico de Henrique Amaro, o qual, via Antena 3, tem divulgado consecutivamente os novos nomes da Música Portuguesa, de que a Câmara de Tavira se vem aproveitando para construir o seu Verão. Primeiro, o Diabo na Cruz (de Jorge Cruz... e B Fachada, entre outros), depois a Virgem Suta (de Jorge Benvinda e Nuno Figueiredo, via produção cuidada de Hélder Gonçalves), e, meus senhores e minhas senhoras, de Coimbra para o mundo:

o Anaquim. Ora,

este é o projecto ultra-pessoal de José Rebola, que, depois de algumas experiências subterrâneas em bandas de rockabilly e psychobilly (The Speeding Bullets) e um auto-proclamado grupo de punk-rock cabaret (The Cynicals) descobriu a sua portuguesíssima voz em laboratório mais nacional. O nome, porém, provém
da referência directa a um de seus heróis, Anakin Skywalker, da «Guerra das Estrelas» - embora o próprio Rebola o refira em alter-ego: " É um duende que chegou aqui sem ter um passado, nem uma tradição, nem preconceitos e faz observações sobre o que nos acontece."

O que me ressaltou de mais um concerto de apresentação à escala nacional (com didascálias, em inglês... para o Allgarve global) de As Vidas dos Outros, _ seu primeiro cd, foi, em primeiro lugar, verificar que a crítica a essa verdadeira razão de ciência nacional, o rumor que perpassa de quem tem emoções tão fora e se pequeno alimenta de...: «As vidas dos outros nunca me soam mal/ Vêem problemas no que é no fundo normal/ Ai se eles soubessem como é viver assim/ As vidas dos outros são tão simples para mim»... Que tal crítica ao incompreendido nacional que apenas se tem narcisicamente como objecto de complexidade, no sofá de Freud, vai em contracampo,

«Eu sou tão bom a falar
Eu sou tão bom a cantar
Eu sou tão bom a contar as vidas dos outros», e a

câmara em movimentos laterais, especulares, cai sobre a Vida, mas dos Outros Eus de José Rebola...«tão bom a falar/(...) tão bom a curar/Tudo menos o (...) próprio mal». Que contra si investe o olhar do público, numa espécie de exibicionismo masoquista, para os visionários das fechaduras de revista cor-de-rosa, digo, da novela televisiva "Mar de Paixão", onde o duende conseguiu penetrar em música de fundo.

Desde a sua "... Rua" tão perpendicular à dos Amigos do Gaspar, em citação final (e não só essa) godiniana, em bairro muito particular, podendo Gonçalo M Tavares incluir nos seus Senhores o Senhor Rebola, com toda _ narrativa dedicada a suas quedas:

com os "Bocados de Mim", rasurando todo o esque_cimento: pela avó, mãe, irmã, amigos... Em "Chama-me Vida", salvo erro é esta a canção, cito de cor, não tinha caneta para apontar o lugar que Rebola disse dedicado à rapariga que amou («ou não», aí se vincando a ficção como imitação da realidade e não esta pura... Havendo na letra o espaço mesmo de sua encenação: «Cada chão era um palco/Cada rua um teatro») e dali saiu para casar com outro... Ou seria aquele "Lídia", em diálogo com Ricardo Reis?, já não lembro bem... Até ao "Meu coração" «triste», «criança», etc., num pedal que o cinde do corpo, onde convoca Ana Bacalhau dos Deolinda... Da sua infância aos 25 anos, da sua adolescência a caminho dos 30, digo, da sua profunda humanidade, numa sobre-exposição sentimental (e é esta exposição de fragilidade e inocência que toca o espectador, que assim julga aceder à intimidade do cantor/duende, em... contos neo-realistas, a que não falta o novo single, o anti-épico Lusíadas, para o nosso triste fado)...

O crítico Serge Daney dizia que vamos ao cinema para que o filme nos veja.

Assim comigo se passou. E vi a Anaquim, musicalmente - mais do que no seguimento de Belle Chase Hotel, Tédio Boys, Mandrágora, Deolinda...

Um texto sobre arte, escreveu António Lobo Antunes a Pedro Cabrita Reis, é que se um grande artista nomeia, porque haveríamos de nomear o já nomeado? Ele trabalha também com um material que vem antes das palavras... E vi a Anaquim, musicalmente - mais no seguimento de U NU, que o saudoso Fernando Magalhães colocou como expoentes da música electrónica, mas que tocavam tudo em tempo real...

João Santiago (bateria e percussão), batendo a bola de pingue-pongue em "Bocados de Mim", o carrinho de brinquedo, toda uma panóplia de materiais, também usados pelo programador José João Cochofel, Pedro Ferreira (melódica, guitarra acústica, jogo de sinos, guitarra eléctrica, piano, coros ), esse sim, maior entre os maiores no labor harmónico, toda uma figura icónica, digo, irónica ligada à cabeleira mozartiana do pianista Luis Serdoura (veja-se ainda a mesma expressão no projecto zappiano de que faz parte: Low budget research kitchen), até Filipe Ferreira (baixo, coros) na pele de Fernando Jorge Noronha,

tudo igual, mas está a ser diferente. Da canção francesa, às influências balcânicas e até à música country... Que não eram em U NU.

Nem o chapéu de coco de Chaplin e dos personagens de Beckett, à Espera de Godot, de Luís Duarte (guitarra acústica, banjo, jogo de sinos, kazoo), nem a guitarra e a voz de José Rebola.
Mas esse serei eu. A minha rua, povoada com os meus fantasmas.

Vitorino Almeida Ventura
Post Scriptum: Sobre a versão da banda sonora da série Tom Sawyer, vista e revista por José Rebola, como encore do espectáculo, aí estou como Jorge Luis Borges, na sua entrevista à Paris Review: «Não gosto nada de Tom Sawyer. Acho que estraga os últimos capítulos de "Huckeleberry Finn"», digo, A vida dos Outros. Já quanto ao cover de "A Morte saiu à rua", do Zeca, achei-o perfeitamente Anaquim.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eles Também vão estar nas Noites Ritual! É de rir, meus senhores! Valem muito a pena.

Anónimo disse...

Enquanto isso, no blogue do vizinho o padre fala do padre António Vieira.
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