Um capricho de uma procuradora custou ao Estado cerca de 4 mil euros (€4.000). Tudo por causa de um casaco mal-cheiroso. Eis a metáfora do estado patético a que chegou a nossa justiça.
I. No último Expresso (p. 26), Isabel Paulo conta a história, que vale por si. Um casaco "em estado de infeta degradação", roubado por um toxicodependente ao irmão, em 2006, só foi destruído no tribunal de Amarante na semana passada. Quatro anos de espera. E porquê quatro anos de espera? Porque existiu um recurso do Ministério Público. "O recurso da então procuradora do MP de Amarante, entretanto transferida para Vale de Cambra, terá custado ao bolso dos contribuintes mais de 4 mil euros em encargos administrativos, salários de quatro magistrados e de uma advogada oficiosa".
II. Fast forward: "em 2007, arquivado o caso após a morte do irmão queixoso, também toxicodependente, o casaco, à guarda do MP, acabou por transitar para outro processo" referente ao roubo de um veículo por parte do irmão mais novo. Fast forward: "em 2008, após sucessivas faltas de comparência do arguido no tribunal", o proprietário do veículo desistiu, "cansado da marcha lenta do processo. Inconformado, o MP acusa o então arguido por crime agravado de condução ilegal. Este acaba por ser absolvido". Fast forward: em janeiro, a juíza manda destruir o dito casaco. E é aqui que entra a fúria processual do MP: "foi então que a delegada do MP recorreu para a Relação do Porto, por não se conformar - reparem - "com o facto de a juíza não ter pedido a certidão de óbito do falecido nem notificado os familiares mais próximos para levarem o casaco". O casaco tinha diamantes?
III. Há um mês, a Relação do Porto foi obrigada a dizer o óbvio, em duas versões. Primeira versão (aquilo que toda a gente compreende): face ao estado de degradação do casaco, a juíza antecipou o óbvio. Segunda versão (aquilo que os magistrados deviam saber melhor do que ninguém): se seguíssemos apenas as "estritas regras jurídicas, acabaríamos num mundo de absurdos inúteis". Mas a questão não se resolve apenas com estes puxões de orelhas. Pelo que se sabe, a responsável por toda esta confusão continua a ser procuradora. Ora, quando se gastam 4 mil euros do erário público por causa de um velho casaco mal-cheiroso, a pergunta é legítima: esta pessoa merece continuar a ser procuradora? Esta pessoa não devia ser demitida? (Por amor de deus, houve um recurso para a Relação por causa de um blusão esburacado). E o Procurador-Geral não tem nada a dizer sobre isto?
IV. Ao ler esta história, um português começa a rir (fiz essa experiência este fim de semana). Ao ler esta história, um americano começa a pedir a cabeça dos responsáveis (também fiz essa experiência esta semana). O problema talvez comece aqui.
Henrique Raposo, Expresso
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