Sobre Gilberto Pinto pende uma maldição terrível - a de escrever sempre o mesmo livro. Alguém no público se dirá: - Então, lendo um, já tenho todos. Ora,
nada de mais errado, afinal. O que se quer dizer com tal afirmação é que Gilberto Pinto se reescreve, situando continuamente _ _ suas histórias - e nisso se aproxima de
Agustina -, entre esse fio que esbate a fronteira entre a vida e a morte, entre a verdade e o conto, por vezes, a superstição, o sonho, a câmara de filmar, como em “Montes Brancos”,
uma das histórias deste livro, ou melhor, a ilusão, sim, porque Gilberto Pinto é um Vendedor de... Que vai mais longe, de vasos comunicantes, ocupar _ seu muito particular lugar na literatura portuguesa
– com a voz de mortos-vivos, no masculino, em “Amnésia” (literalmente, Ninguém), ou no feminino, de “Uma borboleta”, provável maqueta da Casa da Prelada, 2º romance do autor, ou n’ “O labirinto do velho guerreiro” em que 3 zombies, de 1 só olho e 1 só dente para as três, dizem um vivo-morto, em stress pós-traumático de guerra; mas até dos que nem chegaram a existir, assim em “Montes Brancos”,
nos confundindo completamente, não sabendo já em que terra estamos, nem se a tratar com uma boneca insuflável?, uma vítima do tráfico de carne branca?, em “O súbito frio da tarde”, se com um homem ou um cão, n' “A invisibilidade”…,
e depois nos assalta todo um grupo de mutantes: quais mulheres em “Jacintos queimados”, com esse alargamento das possibilidades humanas em “O convite”, «saltando com facilidade para os ramos de laranjeira mais distante» (...), vendo «melhor na escuridão». Acresce, uma espécie só que indefinida de Bichos humanizados de Torga, as pulgas narrando mais à frente uma “Febre”, ou, ao contrário, a mulher... se aflorando quase cadela perdida, em tudo se ligando o aqui e o além (pronome demonstrativo muito daqui)... Este e o outro lado... d' “A cortina do mundo”. O mesmo livro,
uma das histórias deste livro, ou melhor, a ilusão, sim, porque Gilberto Pinto é um Vendedor de... Que vai mais longe, de vasos comunicantes, ocupar _ seu muito particular lugar na literatura portuguesa
– com a voz de mortos-vivos, no masculino, em “Amnésia” (literalmente, Ninguém), ou no feminino, de “Uma borboleta”, provável maqueta da Casa da Prelada, 2º romance do autor, ou n’ “O labirinto do velho guerreiro” em que 3 zombies, de 1 só olho e 1 só dente para as três, dizem um vivo-morto, em stress pós-traumático de guerra; mas até dos que nem chegaram a existir, assim em “Montes Brancos”,
nos confundindo completamente, não sabendo já em que terra estamos, nem se a tratar com uma boneca insuflável?, uma vítima do tráfico de carne branca?, em “O súbito frio da tarde”, se com um homem ou um cão, n' “A invisibilidade”…,
e depois nos assalta todo um grupo de mutantes: quais mulheres em “Jacintos queimados”, com esse alargamento das possibilidades humanas em “O convite”, «saltando com facilidade para os ramos de laranjeira mais distante» (...), vendo «melhor na escuridão». Acresce, uma espécie só que indefinida de Bichos humanizados de Torga, as pulgas narrando mais à frente uma “Febre”, ou, ao contrário, a mulher... se aflorando quase cadela perdida, em tudo se ligando o aqui e o além (pronome demonstrativo muito daqui)... Este e o outro lado... d' “A cortina do mundo”. O mesmo livro,
sob uma técnica de composição policial, onde, ao 1º parágrafo, os dados do mistério são lançados por todas as histórias, na procura do des_
velamento do indizível, melhor, na instalação em seu original Lugar – como direi?
–, ao corredor da Morte: simbolizada esta pelo adjectivo, em “O súbito frio da tarde”, já feito nome em “O desejo”, pela «corrente de frio»; ao «cume», de “A cortina do mundo”; ao «fim da tarde» em “A borboleta”; como ao «cair da noite» ou ao «fim do dia», no tema do regressado sem lugar, por “Amnésia”; na «água» e no «silêncio», narrados pelo padre de “O desejo”; pelo poder de transmutação, do escritor, em “A página em branco”,
«substituindo a planície por uma cidade»; pelo poder de vida e de morte do personagem que formula “O convite”; por Cérbero (e a sua réplica, tão de medo primordial, nos gemidos do Minotauro), e por Sócrates, em “O sonho de…”, etc., etc., como se tudo fosse visto (D)est’ “A pedra”... O mesmo livro,
porque são as mesmas pedras que Gilberto usa em todas as obras – o frio, o fim da tarde, o silêncio, a memória, o vazio, a água, a dor, a invisibilidade, as flores, os aromas, as cores, o medo ou antes toda a intensidade do medo ao terror…Mas – e faz toda a diferença, em seu poder de transmutação –, não é um escritor negro, gótico, urbano-depressivo, que haveremos, em leitura, mas de Luz,
talvez, por dar Vida aos mortos e a seres inanimados, num mundo (sem) paralelo, onde já tudo se confunde, enfim, pela regeneração… das espécies. O mesmo,
mas discordamos de Manuel da Silva Ramos que acha um escritor atingir a sua maturidade lá para o 4º, 5º, 6º livro. – Por que não ao 1º? Desde logo, me vem à memória Nuno Bragança, em que os livros seguintes não foram tão conseguidos como o primordial A noite e o riso, pelo que não colhe aqui a gradação, como se a experiência ou o ofício nos fosse melhorando. Neste livro de alguns (quase todos) contos excepcionais,
a experiência consiste também numa série de ensaios bem conseguidos para alcançar (a)o próximo romance, onde Gilberto Pinto está, naturalmente. Daí que
seja em “Jacintos Queimados”, o mais longo, que se atinja o máximo esplendor. Paradoxalmente, também em seu contrário, ao máximo despojamento de “O testamento da velha senhora”. Quase um poema, que dá uma leitura outra sobre a maldição da escrita do mesmo livro, convocando igualmente a Maurice Blanchot, em O Livro por vir, pelo movimento de onde vêm todos os livros e que detém, de maneira ainda oculta, o porvir da comunicação e a comunicação como porvir. Como que a Literatura se dobrasse sobre si mesma e se recolhesse plenamente ao silêncio. Daí as ... ... ... ... … … … … … … … …
porque são as mesmas pedras que Gilberto usa em todas as obras – o frio, o fim da tarde, o silêncio, a memória, o vazio, a água, a dor, a invisibilidade, as flores, os aromas, as cores, o medo ou antes toda a intensidade do medo ao terror…Mas – e faz toda a diferença, em seu poder de transmutação –, não é um escritor negro, gótico, urbano-depressivo, que haveremos, em leitura, mas de Luz,
talvez, por dar Vida aos mortos e a seres inanimados, num mundo (sem) paralelo, onde já tudo se confunde, enfim, pela regeneração… das espécies. O mesmo,
mas discordamos de Manuel da Silva Ramos que acha um escritor atingir a sua maturidade lá para o 4º, 5º, 6º livro. – Por que não ao 1º? Desde logo, me vem à memória Nuno Bragança, em que os livros seguintes não foram tão conseguidos como o primordial A noite e o riso, pelo que não colhe aqui a gradação, como se a experiência ou o ofício nos fosse melhorando. Neste livro de alguns (quase todos) contos excepcionais,
a experiência consiste também numa série de ensaios bem conseguidos para alcançar (a)o próximo romance, onde Gilberto Pinto está, naturalmente. Daí que
seja em “Jacintos Queimados”, o mais longo, que se atinja o máximo esplendor. Paradoxalmente, também em seu contrário, ao máximo despojamento de “O testamento da velha senhora”. Quase um poema, que dá uma leitura outra sobre a maldição da escrita do mesmo livro, convocando igualmente a Maurice Blanchot, em O Livro por vir, pelo movimento de onde vêm todos os livros e que detém, de maneira ainda oculta, o porvir da comunicação e a comunicação como porvir. Como que a Literatura se dobrasse sobre si mesma e se recolhesse plenamente ao silêncio. Daí as ... ... ... ... … … … … … … … …
… Como as riscas abstractas de Mark Rothko e a negra tela negra de João César Monteiro.
Já a Memória... E a falta dela são, pois, instrumentos, quer de saltos no tempo, quer de névoa… O que serve perfeitamente ao véu do mistério. Assim,
na 1ª história de O vendedor de ilusões, logo todos os sentidos são alerta. Todos, todos, mas sobre todos, o do olfacto. E, para mim, isso me fez viajar Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, quando o narrador degusta um bolo amanteigado, com raspas de limão por aroma, e bebe um chá. Aí, o sabor da madalena e o cheiro das ervas desencadeiam a lembrança de momentos passados (o tempo perdido finalmente reencontrado) e acabam por revelar que o olfacto e o paladar são singularmente sentimentais. Jonah Lehrer explica porquê, à luz da neurociência: porque são os únicos sentidos que se ligam directamente ao hipocampo, o centro da memória de longo prazo do cérebro. Todos os outros sentidos (visão, tacto e audição) passam primeiro pelo tálamo, origem da linguagem e porta da consciência. Em consequência disso, são muito menos eficientes quando se trata de convocar o nosso passado. Em “O súbito frio da tarde”, a 1ª história deste livro, sobre todos, vão _ _ aromas. Já
Susan Sontag, no ensaio Contra a interpretação, dedicado ao artista plástico Paul Thek, referiu que «em vez de uma hermenêutica precisamos de uma erótica da arte». Não vou tão longe para a obra de Gilberto Pinto, pois como é importante aí o hiper-racionalismo, o mundo espectral de significados secundários, nunca alheios à luminosidade da coisa em si!
No entanto, há que recuperar os nossos sentidos para entrar neste mundo (sem) paralelo. De tão sensível, para caminhar nele temos de aprender a mais ver, _ mais ouvir, a mais sentir.
Querendo fugir à lamechice do «filho da Terra», Gilberto Pinto nasceu em… Trás-os-Montes (ver badana), sobrando Carrazeda de Ansiães, como Lugar de partida e não de representação. E nisso se afasta da paisagem como personagem, desde o Douro de Vale Abraão, em Agustina, até ao Arado transmontano de Pires Cabral. E até mesmo a «capela de Nª Srª da Graça» tanto pode ser a da aldeia da Samorinha, Carrazeda, como a de qualquer outra aldeia global. (A descrição do Lugar até é bem outra.). Muito acima deste Lugar,
Gilberto Pinto goza aqui, estilisticamente, dos figos secos dos clássicos – ocupando o mesmo ramo de árvore dos pequenos contos de sir Arthur Conan Doyle, e do som abafado de William Faulkner, e da profundidade da câmara de Ernest Hemingway, e das ondas de Virginia Woolf, e dos paradoxos de Jorge Luis Borges, e, relativamente a “O regresso do Minotauro” de Plátonov, de Tchékov, que vi encenado por Nuno Cardoso… No conto de Gilberto Pinto, «a estrada voltava sempre ao mesmo sítio e que, por isso, não ia dar a lugar nenhum». Na peça de Tchékov, o princípio é este sítio que se parece com o fim: Cinco linhas de comboio que nunca levarão a lado nenhum e uma ribanceira... Em ambos os lugares, para que as personagens caiam, mas sobre si, movidas pelos cordelinhos da acção.
Vitorino Almeida Ventura
3 comentários:
Post Scriptum: Embora tanto eu como a drªa Otília Lage estivéssemos ali ao serviço da causa de Gilberto Pinto, aproveito para destacar (que me perdoem os outros) as palavras simpáticas que recebi pela minha apresentação, a cargo do escritor Hélder Rodrigues. Vivi um raro momento - posso dizer? - místico. Obrigado.
Vitorino Almeida Ventura
Na verdade. Gilberto Pinto pode sentir-se feliz e orgulhoso (enfim, estes são os adjectivos que neste momento se me afloram)de forma tríplice: o seu excelente exercício criativo, numa escrita cristalina e esclarecida (guardarei para mais tarde uma provável análise textual mais técnica) e as duas apresentações a cargo de Otília Lage e Vitorino Ventura, sendo a deste (sem resquícios de desprimor pela outra), soberba, na forma, no conteúdo e, sobretudo naquilo que disse sem dizer... Pela erudição e pela forma como soube harmonizar as diferentes "correntes de escritas" que foi mencionando como quem vai desfiando um rosário. Renovo, por isso (e por mais), os meus sinceros parabéns por aqueles breves mas fecundos momentos de magia.
Helder Rodrigues
agora só falta o manel pinto dar a nota. um suf. ou um suf mais.
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