quarta-feira, 29 de junho de 2011

Daqui e dali... Vitorino Almeida Ventura

Manuel António Pina,
um tutankamoniano para o prémio Camões (# 2)


A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


in Ainda não é o fim nem o princípio, calma é apenas um pouco tarde.

Perpassa, neste poema, uma maldição tutankamoniana (claro que irónica) sobre o fim e mesmo sobre a inutilidade da poesia, e uma pre_
ocupação com o Outro.. que me levou ao que não lê, no poema de
Joaquim Manuel Magalhães:

Melhor seria que não me lessem nunca
os que por costume lêem poesia.
Muito além deles conseguir falar
ao que chega a casa e prefere o álcool,
a música de acaso, a sombra de alguém
com o silêncio das situações ajustadas.

Não ser lido por quem lê. Somente
pelos que procuram qualquer coisa
rugosa e rápida a caminho de uma revista
onde fotografaram todo o ludíbrio da felicidade.
Que um poema meu lhes pudesse entregar,
ademais da morte,
um alívio igual ao de atirar os sapatos
que tanto apertam os pés desencaminhados.

Mais do que tudo é isso que lhes quero
na confusão destas palavras atingidas
pelo contrário do que lhes entrego.
Pode até haver crianças, brinquedos espalhados,
o cheiro da comida, todas essas coisas de que fujo,
mas que me lessem sem pensar
na armadilha de palavras assim.

Alguém que me visitasse só
com o que ficou para trás nesse dia,
antes de pôr o vídeo com que vai tentar
esquecer o peso do princípio da noite,
as horas depois do emprego e do jantar,
antes do sono que tantas vezes é
um fechamento do desconsolo.

Estrelas cadentes, outras e outras
no dia? na noite tão curta? decepadas
e enaltecidas por entre o ladrar
de um cão que na distância
responde a outro cão.


Consciência aguda de que a poesia é lida num círculo fechado de poetas, entre si, como a que teve
Alexandre O’Neil: «Quem vos lê a vós? Somos nós/ E quem nos lê a nós? Sois vós./ Tudo fica, pois,/ entre nós, entre nós».

Curiosamente, tal preocupação de «ajudar» o Outro, através da Poesia, de prestar um serviço a, parece estar arredada das suas crónicas anacrónicas, onde se declara preferir «perder um amigo a uma boa piada».

4 comentários:

Anónimo disse...

Ahahahahah. Então, já se percebe porque é que o cardeal vermelho gosta do Pina. Não se importa de perder um colaborador, por uma boa farpa. Desde que não seja para ele... Continue a toirada!
Ass: Branco no Preto

Anónimo disse...

A poesia não é útil, não se come, nem bebe. É um bem supérfluo. Pode acabar, sem pôr em causa a nossa sobrevivÊNCIA.

Anónimo disse...

O que vai acabar é o concelho, segundo os censos!

Anónimo disse...

Infelizmente, há muita gente assim, com uma ideia de amizade «estranha». O amigo é quem tem de compreender tudo, não vêem se nos estão a magoar ou não.
Dora