Sacripanta & Companhia
Em pleno “centro histórico” da cidade onde resido, situa-se um dos cafés mais “castiços” que conheci até hoje.
De seu nome “Portugal” (curioso nome, não?) tudo lá acontece…
Autêntico caldeirão de sociabilidade e cultura, tudo ali é permitido. Não se pode fumar? Pois fume-se! Não de deve dizer mal da Câmara (mesmo em frente)? Pois diga-se, especialmente quando a sua presidente ali vai para tomar uma “bica” retemperadora! Não se deve chamar de “corruptos” aos representantes dos diversos partidos políticos? Pois chame-se: se não for a mesa 1 será a 4, a 7 ou a 10!
É “PROIBIDO PROIBIR”! E assim a sua “fauna” é diversa…
À negrura das capas dos universitários junta-se a brancura da indumentária dos pintores da construção civil. À palavra mais comedida opõe-se o mais puro vernáculo… Dir-se-ia que Deus e o Diabo entram lá de mãos dadas, misturando sons e cores, odores e temperamentos!
São as conversas em voz alta de mesa para mesa; são os diversos sons do futebol com as “provocações” do costume à mistura; são, enfim, tudo a que se possa chamar de “surreal”…
Mas tudo parece “normal” para os seus frequentadores! Qual “tertúlia”, quer chova ou faça sol, religiosamente, lá vou todos os dias!
Pois há dias assisti a uma zaragata por causa de um “penalty” que o não seria (ou seria?).
Palavra puxa palavra, insulto traz insulto, comportamento arrasta comportamento.
Daí à intervenção dos polícias de giro (antes que a batalha verbal descambasse em campal) foi um “ar que lhe deu”.
No meu “canto” (sim, porque cada “grupo” tem o “seu canto”, a sua área geográfica bem definida por “cores” clubísticas, políticas, intelectuais ou outras) assisti a todo o desenrolar da “cena”. Só não sei o início (se é que isso interessa).
Cheio de “gozo” interior e enquanto um dos polícias tomava os apontamentos da ocorrência (tentando apaziguar os ânimos), eu fui apontando (mentalmente) as minhas notas de filologia filosófica dos insultos ou das ofensas que acabara de ouvir.
Um sujeito, exaltadíssimo, disse ao outro: “Você é um canalha, um pirata, um malandro, um filho da p….”
Peço desculpa, mas não posso reproduzir o adjetivo final com que o sujeito classificou, numa síntese violenta, o seu antagonista (melhor dizendo, a mãe deste), o qual, depois de ouvir os doestos do “inimigo”, se saiu com esta:
“Olhe, mais vale ser canalha, biltre, pirata, malandro ou mesmo filho da p… do que ser um fingido, um cínico e um sacripanta como você é.”
Posso afiançar que as pessoas circundantes dos rivais, ao ouvirem a palavra sacripanta, desataram todas a rir, inclusivamente o polícia que não resistiu ao poder do vocábulo sacripanta. Como utilidade linguística, aquela zaragata (autêntica escola de escárnio e maldizer) ministrou-me assunto para o estudo que passo a apresentar da linguagem dos insultos mais frequentes.
Isto de se chamar sacripanta a um sujeito como se explica? Estou em crer que 99% das pessoas que se dão à prática de ofenderem o próximo com tal epíteto nem sonham com a origem, que foi esta muito simples:
O poeta da renascença italiana Ariosto, na epopeia romanesca, espirituosa e pinturesca chamada “Orlando Furioso” deu-nos o celebérrimo personagem do Sacripanta, tipo de perverso, velhaco, um verdadeiro patife, um homem canalha.
Este tipo do Sacripanta famoso, entrou, portanto, na adjetivação comum de patife.
Mas continuemos… O primeiro dos zaragateiros chamou canalha ao outro.
Que é canalha? Coisa boa não é.
A canalha começou por ser um coletivo: era o ajuntamento de cães.
Cão em latim era canis ou canes. Ora, já em latim o cão se podia utilizar com injúria.
De can se formou o coletivo francês canaille, o coletivo italiano canaglia, o coletivo português canalha, etc.
Em francês, como cão é chien, houve chiennaille; mas o italiano canaglia sobrepôs-se e formou-se canaille.
Canalha é, pois, na essência, o conjunto de cães, a cachorrada.
As mulheres do Norte, rodeadas de sua filharada, quando esta faz desmandos, gritam: “Estai quedos! Que tal está a canalha!”.
Canalha são os filhos, como cachorrada que faz diabruras.
Como os cães juntos, se já são maus, se tornam piores, é óbvio que a palavra canalha passou a aplicar-se, figuradamente, à gente ruim.
Perdida a noção de que a canalha era coletivo, formou-se em aceção singular para referir o indivíduo patife.
O chamar-se, por exemplo, cínico a alguém implica em que também entra o cão, ao recordar que cínico veio do grego Kynikós, de Kyon, cão, do nome de uma seita de desdenhadores, que mordiam moralmente.
Quanto ao pirata, foi-se buscar à vida dos mares esse epíteto.
Pirata era toda a gente que andava nas aventuras dos mares, tentando a boa sorte, porque em grego peiratês é o que tenta, de peirán, tentar.
O termo injurioso malandro é mais complicado e a sua origem muito confusa.
É possível que malandro seja um derivado regressivo do italiano malandrino, que nos deu malandrim, tudo relacionado com a sarna das pernas das bestas e dos vagabundos.
De vagabundo passou ao sentido pejorativo. Em francês há malandrin, também do italiano malandrino.
Deve, pois, o malandro relacionar-se com pústulas e sarna.
Depois de estudados os termos ofensivos da zaragata a que assisti, passo a trazer à análise outras palavras de injúria.
“Seu patife! - Aqui está uma exclamação frequentíssima, infelizmente prova de que há muita patifaria no mundo.
Parece que patife se relaciona com espatifar, do latim patefacere, abrir (as entranhas, por exemplo).
Relacionar patife com espatifar é, pois, de coerência semântica e formal.
E o maroto? Esta palavra entra muito em injúrias, com tanta intensidade como o mariola.
“Seu maroto, seu mariola!” Isto é audível amiúde. Mas também se ouve muito: “Ele é um marau”. Ora, como em francês há maraud, trapaceiro, gatuno, larápio, os marotos, os maraus devem relacionar-se no sentido de patife, larápio e até… gato vadio.
O maroto é assim, como marau, de baixa estirpe, e até aos figos maus e bravos se chama “figos marotos”, como se chamam “olhos marotos” a olhos com maldade ou leve malícia.
Está-se a ver claramente que nos insultos se vai buscar à condição dos “Vadios, Moinantes & Companhia” a forma de injuriar.
Não é useiro este termo “vadio” como ofensa? Vadio é o vagativo, o que vagueia.
“Ele é um biltre!” Aqui temos nós outro termo assaz injurioso, recebido de França, onde bêlitre, mendigo, vadio, miserável, maltrapilho, foi a princípio frade mendicante.
Belistre, bêlitre, que nos deu biltre, começou, portanto, na indigência dos peregrinos frades da França, passou a mendigo e de mendigo saltou ao sentido injurioso de patife, malandro.
Quando se diz “seu biltre”, fundamentalmente está chamar-se mendigo, pedinte, indigente à pessoa que recebe o ofensa.
E o rol seria infindável…
Mas é de mencionar um facto importante: a degradação semasiológica de certos termos utilizados como injúrias, os quais, tendo ganho um mau sentido por exagero, para sempre ficaram tomados à má parte.
Por exemplo: vilão, traficante, tratante.
“És um vilão, és um tratante”. Isto hoje ofende. Mas dantes não ofendia, porque vilão era o da vila, e tratante era o que tratava, como traficante era o que traficava.
Chamar vilão a um homem era tão natural e tão inocente como chamar-lhe camponês. Mas vilão passou a campónio. Por influência de vil, julgou-se que vilão era o muito vil, e como já o sentido de campónio (que o vilão incluía) ajudava a ser vilão sinónimo de grosseiro, rude, baixo, o vilão passou a termo de injúria.
Tratante significa propriamente o que trata, o que se encarrega de tudo, no sentido de comércio, negócio, tráfico de mercadorias. Hoje, porém, torna-se à má parte, e é quase sinónimo de traficante.
Como se vê, a luta de interesses e de negócios dá o seu contributo à linguagem injuriosa.
Não admira. Tem sido sempre assim, desde que o mundo é mundo…
Os rivais são hoje os que, por oposição de interesses, disputam algo, como riquezas, valores morais e materiais, etc. Pois, os rivais primitivos eram os que estavam em margens opostas dos rios: latim rivalis, de rivus, rego de água, ribeiro. Os ribeirinhos, os que conduzem a água pelo mesmo ribeiro, eram rivales. Ora, das rixas, das zaragatas, por causa da concorrência das águas, nasceu a rivalidade, a inimizade.
A rivalidade, a inimizade pode trazer o insulto e o escândalo.
O escândalo põe a linguagem do avesso, trocando até inocências por maledicências.
Por exemplo, este termo que acabo de empregar, escândalo, não tinha nada de mal, e agora tem. Escândalo pode ser hoje ofensa ou injúria.
Como nasceu escândalo? Nasceu numa pedra, a pedra que faz tropeçar, em grego skándalon, a pedra do escândalo.
Quem tropeça irrita-se. Quem se irrita em geral injuria.
A inspiradora das injúrias é na verdade a ira. E a ira é tão perigosa que até os próprios cultores da virtude caem nela.
Se tropeçamos, chamamos nomes às pedras. Se nos queimamos, chamamos nomes ao lume.
E até se conta que certo rapazinho estava um dia atento a ver um padre mui virtuoso a pregar um prego na parede.
Perguntou-lhe o clérigo: “porque é que estás tão atento a ver-me pregar um prego?”
“Desculpe reverendo, respondeu o moço, mas estava a ver se vossa reverência falhava o prego, para eu saber o que o senhor padre diria, ao dar com o martelo nos dedos”.
Esta não é do Padre Manuel Bernardes, mas serve para lhe dar razão quando ele disse que a “ira é como o cão, e esta às vezes primeiro morde ao hóspede, do que este lhe possa dar nome”.
Façamos, então, como as crianças, quando nos ofenderem.
“Macaco sem rabo!” chamou um miúdo ao outro. Resposta deste: “Sou macaco, tenho fama. Mais macaco é quem me chama”.
Carlos Fiúza
De seu nome “Portugal” (curioso nome, não?) tudo lá acontece…
Autêntico caldeirão de sociabilidade e cultura, tudo ali é permitido. Não se pode fumar? Pois fume-se! Não de deve dizer mal da Câmara (mesmo em frente)? Pois diga-se, especialmente quando a sua presidente ali vai para tomar uma “bica” retemperadora! Não se deve chamar de “corruptos” aos representantes dos diversos partidos políticos? Pois chame-se: se não for a mesa 1 será a 4, a 7 ou a 10!
É “PROIBIDO PROIBIR”! E assim a sua “fauna” é diversa…
À negrura das capas dos universitários junta-se a brancura da indumentária dos pintores da construção civil. À palavra mais comedida opõe-se o mais puro vernáculo… Dir-se-ia que Deus e o Diabo entram lá de mãos dadas, misturando sons e cores, odores e temperamentos!
São as conversas em voz alta de mesa para mesa; são os diversos sons do futebol com as “provocações” do costume à mistura; são, enfim, tudo a que se possa chamar de “surreal”…
Mas tudo parece “normal” para os seus frequentadores! Qual “tertúlia”, quer chova ou faça sol, religiosamente, lá vou todos os dias!
Pois há dias assisti a uma zaragata por causa de um “penalty” que o não seria (ou seria?).
Palavra puxa palavra, insulto traz insulto, comportamento arrasta comportamento.
Daí à intervenção dos polícias de giro (antes que a batalha verbal descambasse em campal) foi um “ar que lhe deu”.
No meu “canto” (sim, porque cada “grupo” tem o “seu canto”, a sua área geográfica bem definida por “cores” clubísticas, políticas, intelectuais ou outras) assisti a todo o desenrolar da “cena”. Só não sei o início (se é que isso interessa).
Cheio de “gozo” interior e enquanto um dos polícias tomava os apontamentos da ocorrência (tentando apaziguar os ânimos), eu fui apontando (mentalmente) as minhas notas de filologia filosófica dos insultos ou das ofensas que acabara de ouvir.
Um sujeito, exaltadíssimo, disse ao outro: “Você é um canalha, um pirata, um malandro, um filho da p….”
Peço desculpa, mas não posso reproduzir o adjetivo final com que o sujeito classificou, numa síntese violenta, o seu antagonista (melhor dizendo, a mãe deste), o qual, depois de ouvir os doestos do “inimigo”, se saiu com esta:
“Olhe, mais vale ser canalha, biltre, pirata, malandro ou mesmo filho da p… do que ser um fingido, um cínico e um sacripanta como você é.”
Posso afiançar que as pessoas circundantes dos rivais, ao ouvirem a palavra sacripanta, desataram todas a rir, inclusivamente o polícia que não resistiu ao poder do vocábulo sacripanta. Como utilidade linguística, aquela zaragata (autêntica escola de escárnio e maldizer) ministrou-me assunto para o estudo que passo a apresentar da linguagem dos insultos mais frequentes.
Isto de se chamar sacripanta a um sujeito como se explica? Estou em crer que 99% das pessoas que se dão à prática de ofenderem o próximo com tal epíteto nem sonham com a origem, que foi esta muito simples:
O poeta da renascença italiana Ariosto, na epopeia romanesca, espirituosa e pinturesca chamada “Orlando Furioso” deu-nos o celebérrimo personagem do Sacripanta, tipo de perverso, velhaco, um verdadeiro patife, um homem canalha.
Este tipo do Sacripanta famoso, entrou, portanto, na adjetivação comum de patife.
Mas continuemos… O primeiro dos zaragateiros chamou canalha ao outro.
Que é canalha? Coisa boa não é.
A canalha começou por ser um coletivo: era o ajuntamento de cães.
Cão em latim era canis ou canes. Ora, já em latim o cão se podia utilizar com injúria.
De can se formou o coletivo francês canaille, o coletivo italiano canaglia, o coletivo português canalha, etc.
Em francês, como cão é chien, houve chiennaille; mas o italiano canaglia sobrepôs-se e formou-se canaille.
Canalha é, pois, na essência, o conjunto de cães, a cachorrada.
As mulheres do Norte, rodeadas de sua filharada, quando esta faz desmandos, gritam: “Estai quedos! Que tal está a canalha!”.
Canalha são os filhos, como cachorrada que faz diabruras.
Como os cães juntos, se já são maus, se tornam piores, é óbvio que a palavra canalha passou a aplicar-se, figuradamente, à gente ruim.
Perdida a noção de que a canalha era coletivo, formou-se em aceção singular para referir o indivíduo patife.
O chamar-se, por exemplo, cínico a alguém implica em que também entra o cão, ao recordar que cínico veio do grego Kynikós, de Kyon, cão, do nome de uma seita de desdenhadores, que mordiam moralmente.
Quanto ao pirata, foi-se buscar à vida dos mares esse epíteto.
Pirata era toda a gente que andava nas aventuras dos mares, tentando a boa sorte, porque em grego peiratês é o que tenta, de peirán, tentar.
O termo injurioso malandro é mais complicado e a sua origem muito confusa.
É possível que malandro seja um derivado regressivo do italiano malandrino, que nos deu malandrim, tudo relacionado com a sarna das pernas das bestas e dos vagabundos.
De vagabundo passou ao sentido pejorativo. Em francês há malandrin, também do italiano malandrino.
Deve, pois, o malandro relacionar-se com pústulas e sarna.
Depois de estudados os termos ofensivos da zaragata a que assisti, passo a trazer à análise outras palavras de injúria.
“Seu patife! - Aqui está uma exclamação frequentíssima, infelizmente prova de que há muita patifaria no mundo.
Parece que patife se relaciona com espatifar, do latim patefacere, abrir (as entranhas, por exemplo).
Relacionar patife com espatifar é, pois, de coerência semântica e formal.
E o maroto? Esta palavra entra muito em injúrias, com tanta intensidade como o mariola.
“Seu maroto, seu mariola!” Isto é audível amiúde. Mas também se ouve muito: “Ele é um marau”. Ora, como em francês há maraud, trapaceiro, gatuno, larápio, os marotos, os maraus devem relacionar-se no sentido de patife, larápio e até… gato vadio.
O maroto é assim, como marau, de baixa estirpe, e até aos figos maus e bravos se chama “figos marotos”, como se chamam “olhos marotos” a olhos com maldade ou leve malícia.
Está-se a ver claramente que nos insultos se vai buscar à condição dos “Vadios, Moinantes & Companhia” a forma de injuriar.
Não é useiro este termo “vadio” como ofensa? Vadio é o vagativo, o que vagueia.
“Ele é um biltre!” Aqui temos nós outro termo assaz injurioso, recebido de França, onde bêlitre, mendigo, vadio, miserável, maltrapilho, foi a princípio frade mendicante.
Belistre, bêlitre, que nos deu biltre, começou, portanto, na indigência dos peregrinos frades da França, passou a mendigo e de mendigo saltou ao sentido injurioso de patife, malandro.
Quando se diz “seu biltre”, fundamentalmente está chamar-se mendigo, pedinte, indigente à pessoa que recebe o ofensa.
E o rol seria infindável…
Mas é de mencionar um facto importante: a degradação semasiológica de certos termos utilizados como injúrias, os quais, tendo ganho um mau sentido por exagero, para sempre ficaram tomados à má parte.
Por exemplo: vilão, traficante, tratante.
“És um vilão, és um tratante”. Isto hoje ofende. Mas dantes não ofendia, porque vilão era o da vila, e tratante era o que tratava, como traficante era o que traficava.
Chamar vilão a um homem era tão natural e tão inocente como chamar-lhe camponês. Mas vilão passou a campónio. Por influência de vil, julgou-se que vilão era o muito vil, e como já o sentido de campónio (que o vilão incluía) ajudava a ser vilão sinónimo de grosseiro, rude, baixo, o vilão passou a termo de injúria.
Tratante significa propriamente o que trata, o que se encarrega de tudo, no sentido de comércio, negócio, tráfico de mercadorias. Hoje, porém, torna-se à má parte, e é quase sinónimo de traficante.
Como se vê, a luta de interesses e de negócios dá o seu contributo à linguagem injuriosa.
Não admira. Tem sido sempre assim, desde que o mundo é mundo…
Os rivais são hoje os que, por oposição de interesses, disputam algo, como riquezas, valores morais e materiais, etc. Pois, os rivais primitivos eram os que estavam em margens opostas dos rios: latim rivalis, de rivus, rego de água, ribeiro. Os ribeirinhos, os que conduzem a água pelo mesmo ribeiro, eram rivales. Ora, das rixas, das zaragatas, por causa da concorrência das águas, nasceu a rivalidade, a inimizade.
A rivalidade, a inimizade pode trazer o insulto e o escândalo.
O escândalo põe a linguagem do avesso, trocando até inocências por maledicências.
Por exemplo, este termo que acabo de empregar, escândalo, não tinha nada de mal, e agora tem. Escândalo pode ser hoje ofensa ou injúria.
Como nasceu escândalo? Nasceu numa pedra, a pedra que faz tropeçar, em grego skándalon, a pedra do escândalo.
Quem tropeça irrita-se. Quem se irrita em geral injuria.
A inspiradora das injúrias é na verdade a ira. E a ira é tão perigosa que até os próprios cultores da virtude caem nela.
Se tropeçamos, chamamos nomes às pedras. Se nos queimamos, chamamos nomes ao lume.
E até se conta que certo rapazinho estava um dia atento a ver um padre mui virtuoso a pregar um prego na parede.
Perguntou-lhe o clérigo: “porque é que estás tão atento a ver-me pregar um prego?”
“Desculpe reverendo, respondeu o moço, mas estava a ver se vossa reverência falhava o prego, para eu saber o que o senhor padre diria, ao dar com o martelo nos dedos”.
Esta não é do Padre Manuel Bernardes, mas serve para lhe dar razão quando ele disse que a “ira é como o cão, e esta às vezes primeiro morde ao hóspede, do que este lhe possa dar nome”.
Façamos, então, como as crianças, quando nos ofenderem.
“Macaco sem rabo!” chamou um miúdo ao outro. Resposta deste: “Sou macaco, tenho fama. Mais macaco é quem me chama”.
Carlos Fiúza
4 comentários:
Muito bom, todo este mix da cultura popular com a erudita, com a literatura infantil...
Ab.,
VAV
Sacripanta & Companhia é alguma agência de ratting internacional?? Pelo nome...
Ass. pão com manteiga
Estão a falar dessas Agências que não adivinharam esta crise e agora estão sempre a arrotar postas para se sair dela !??
Ass. Comentador de bancada (encartado)
Deve ser, deve...Dessas agências que não adivinharam a crise e agora arrotam todos os dias postas de pescada a ditar medidas para a dita crise...
Ass. Sardinha Biba
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