Além dos factos objectivos , importa destacar um facto, digamos, moral: Sócrates representou um declínio moral da nossa política e do nosso debate público. Dentro da nossa normalidade democrática, nunca houve esta agressividade para com a imprensa , e esta má-educação no parlamento ("manso é a tua tia" é apenas o exemplo máximo) . E o pior é que Sócrates conseguiu que o país começasse a pensar como ele. Assim, ao longo destes anos, a agressividade intolerável perante os jornalistas passou a ser vista como uma "estratégia de marketing político", como uma "estratégia de comunicação que evita as gaffes e erros". Ao longo destes anos, a evidente má educação do primeiro-ministro (perante adversários políticos e perante jornalistas) passou a ser vista como um símbolo do "animal político", o "animal feroz". "Ele é assim", ouvi várias vezes. "Não há nada a fazer", outras tantas vezes. Ou seja, nós aceitámos o inaceitável, porque sim, porque o poder-é-assim-e-não-há-nada-a-fazer. Este relativismo mudou o nome às coisas, e representa a vitória de Sócrates sobre nós, sobre o espaço público.
Recebo mails de leitores todos os dias. Na semana passada, recebi o mail que mais me marcou. Dizia uma senhora que "v. não devia falar das mentiras de Sócrates, porque já ninguém liga", e dizia isto com um ar de desilusão em relação a mim. Ou seja, eu - que estava a apontar as mentiras do nosso PM - é que estava a desiludir a senhora, que, com certeza, queria outro tipo de texto, sei lá, sobre os golfinhos do Sado ou sobre as giestas transmontanas. E este convívio fácil e normal com a mentira não é monopólio desta senhora. Toda a gente se deixou afectar por isso. Aliás, devo fazer aqui um mea culpa: ontem, vi de raspão esta notícia sobre a Lusa , e não liguei. Num ambiente de normalidade liberal e civilizada, este assunto rebentaria em manchetes e em aberturas de telejornal, e eu escreveria inevitavelmente sobre o dito assunto. Ora, isso não aconteceu, nem vai acontecer, porque Sócrates derrotou-nos. Venceu-nos moralmente. Estamos todos cansados moralmente, sem vontade. Estamos espojados numa inércia amoral. É por isso que celebro, com champanhe e tudo, estas declarações da direcção da Rádio Renascença: "(...) admitimos assim que José Sócrates não aceitou o nosso convite, mais uma vez, não por ignorar a importância da audiência da Renascença, mas antes por conhecer bem de mais a qualidade do nosso jornalismo. A Direcção de Informação lamenta este empobrecimento do debate democrático e continuará a bater-se pelo reforço da Liberdade de Informação, sem abdicar de colocar as perguntas certas, por mais incómodas que sejam" . Ámen.
No dia 5 de Junho, temos de defender Portugal disto. Temos de defender Portugal de José Sócrates e deste socratismo amoral. Não está só em causa o facto de estarmos mais pobres do que em 2004. Nós também estamos mais amorais ou mesmo imorais, e já é tempo de dizer basta. Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário