quinta-feira, 29 de abril de 2010

Daqui e dali... João Lopes de Matos

ACASO, DETERMINISMO, JUSTIÇA E INJUSTIÇA

Esta história é verdadeira e, por isso, merece ser contada.
Era uma vez um senhor robusto, vivaço, engatatão, mulherengo, sem quaisquer problemas com mulheres. Nunca se havia preocupado com o amor, quanto mais com paixões.
Vivia saudavelmente o dia a dia: alegremente, satisfazendo todas as suas necessidades fisiológicas.
Até que um dia … há sempre um dia, o amor bateu-lhe à porta e sob a forma de uma paixão intensa. Sempre tinha tido agradáveis relações sexuais. Mas, como com a mulher que encontrara por acaso e por quem sentira de imediato uma atracção violenta, nunca antes havia experimentado coisa igual. Eram, na realidade, duas almas gémeas, melhor, dois corpos que não se podiam ver um sem o outro. Comunhão mais intensa era impossível. Aquilo é que era um verdadeiro amor, uma verdadeira paixão. Como não podiam passar um sem o outro, não tiveram dúvidas: casaram. Foram muito tempo felizes. Desta felicidade nasceram duas filhas. O amor era tão intenso que ele desleixou-se com o serviço e foi admoestado por isso. Estando em jogo a subsistência de toda a família (ele era o único que trabalhava), resolveu dedicar-se mais ao trabalho e menos à intensa paixão vivida com a mulher. Por vezes, fazia serões e deixava a pobre mulher triste. Ela, que até aí não saía de casa, começou a passar algum tempo nos cafés. O marido estava satisfeito por ver a mulher distrair-se. Só que…por ser tão visível…e le soube que a sua paixão tinha umas conversas e encontros com outros homens, em especial, rapazes novos. Rapidamente descobriu que essas conversas e encontros eram mesmo muito especiais. Como era possível se eles se amavam tanto! Tentou ele, pela grandiosidade do amor que os unia, resolver o problema, perdoando-lhe alguns passos em falso. Mas era demais. Após o uso de métodos pouco ortodoxos, acabaram por se divorciar. O feitio dele não era nada meigo, era mesmo intimidativo e, por isso mesmo, não entendia como ela tivera ousado sequer tal procedimento. Um dia soube que aquilo era de família: a mãe dela tinha tido uma história igual. Estava-lhe na massa do sangue.
Apesar de tudo isto e porque uma mulher lhe dava jeito nos encontros sociais, resolveu casar-se de novo. Mas desta vez tomou as devidas cautelas, já não se deixou levar por amores: casou com uma mulher calada, medrosa e a quem ele intimidava constantemente: ela olhava sempre e só para o chão. Desta união nasceram dois gémeos verdadeiros, iguaizinhos um ao outro, e, por sua vez, iguaizinhos ao pai. Pai e mãe tinham maneiras de ser diametralmente opostas.Ele, tão doce que fora com a outra, era com esta um autêntico carrasco, batendo -lhe com muita frequência. Ela era submissa mas ele havia decidido que esta haveria de pagar tudo (o que a outra fizera). A situação tornou-se insustentável e a família dela não descansou enquanto não os viu divorciados. Os filhos cresceram iguaizinhos ao pai, o que era um tormento para a mãe. Viveram algum tempo com o pai mas não se entenderam com ele: Não houve outro remédio senão irem viver com a pobre mãe. Vivem agora ao lado dela, parecendo-se cada vez mais com o progenitor. Por vezes, a mãe, um tanto tresloucada, confunde-os com o ex-marido, fugindo deles apavorada. Em conversas amenas com os filhos chega a desabafar: - Queridos filhos, porquê isto me aconteceu a mim? Os filhos, apiedados da mãe, concordam: - Tiveste azar, mãe, perdoa- nos.
João Lopes de Matos

9 comentários:

Anónimo disse...

Móbil mão …

Ao ler a introdução no livro de Hall Caine "O Filho Pródigo", cuja tradução foi feita pela eminente escritora Maria Amália Vaz de Carvalho, alguém tropeçou nuns versos em que se fala da "Móbil mão".
A "móbil mão" é a do Destino.
O povo português, principalmente o do sul de Portugal, onde mais se fez sentir o fatalismo dos Árabes, costuma dizer que "ninguém foge ao seu Destino".

Para alguns, o Destino é o que está determinado, o que está escrito pela mão de Deus; enfim a continuidade irremediável dos sucessos, segundo os desígnios de Deus.

Personificando-se a Providência, evidentemente que se lhe atribui, em figuração, a mão que tudo move.
Pois é essa "móvil mão", quer dizer, mão motora, mão que faz girar a roda da vida, é essa mão que escreve o Destino de cada qual.

"A móbil mão" escreve e passa avante. Ou seja: a mão que move o universo escreve o que há-de suceder a cada qual, e passa adiante.
É lógico. O que está escrito está escrito.
E há sempre o futuro para escrever, futuro que para Deus é presente.

"Nem toda a piedade nem o génio conseguirão que a sentença lavrada pela vontade do Eterno seja riscada" - dizem os versos.

Sim, Deus escreve sempre direito. Não faz emendas.
Repare-se que o nosso povo diz, até, que Deus escreve direito por linhas tortas.

Esta filosofia popular vale mais do que milhentas páginas de livros profundos sobre o "amparo" da Providência na consecução da sua vontade.
Mas continuam os versos:

"Todas as lágrimas que choras não poderão delir-lhe uma palavra só!"

Que é como quem diz:
- Assim como a criança inutilmente chora diante da vontade resoluta dos pais, assim as nossas lágrimas no sofrimento não demovem a vontade do Destino.

Mas, não servirão as lágrimas para lubrificar a dor?
Que importa que o Destino permaneça impassível às lágrimas humanas?

Não servirão para delir o que ele escreve; mas servirão para delir, ou dissolver, ou apagar a dureza da lei imutável.

A significação dos versos seguintes ainda é mais violenta:

"Então ao turbilhão dos astros eu perguntei brando: Qual a lâmpada que o destino dá aos seus pobres filhos para os guiar na escuridão em que tropeçam? E o céu respondeu: Um cego, um obtuso entendimento".

Como se vê, o autor lamenta que o homem ande às cegas, quanto ao seu futuro e chega mesmo a expressar descontentamento por o Destino se mostrar tão pouco cuidadoso com os tropeções na escuridão dos caminhos da vida.
E não se diga que tal conformidade é indiferente.

E até o nosso Camões, em os Lusíadas (X, 38) nos lembra que o Destino muitas vezes se confunde com Fado:

"Ocultos os juízos de Deus são!
.As gentes vãs, que não se entenderam,
.Chamam-lhe fado mau, fortuna escura,
.Sendo só Providência de Deus pura."


Abraço,
Carlos Fiúza

Anónimo disse...

O que João Lopes de Matos faz (logo em primeira asserção) é afastar o fantasma da verosimilhança. Va de retro... Literatura!

- Por que teima no registo da pretensa cientificidade de uma certa verdade histórica?

Vitorino

Unknown disse...

Caríssimos:
Salvo o devido respeito,acho que tanto um como o outro não acertaram na interpretação do texto. Nele não consta nem um determinismo total,absoluto,divino,nem o carácter científico da verdade histórica. Nele constam um acaso de encontros,um determinismo biológico de comportamentos e uma justiça(e injustiça) cega e sem sentido aplicada às diversas vidas aqui em jogo.Onde está o determinismo divino?Onde se encontra a cientificidade da verdade histórica? JLM

vitorino almeida ventura disse...

Pois era precisamente aí que eu queria que chegasse. À versomilhança da narrativa em vez da verdade histórica,

no acaso, que o aproxima mais de Peter Handke do que do romance histórico, de uma justiça cega por cegos que antes o fossem.

Só é pena o determinismo biológico... puro. Embora de um feijão, como dizia o dr. Morais,não se poça fazer um sobreiro.

Ab.,

Vitorino

Anónimo disse...

A sua defesa convenceu-me ...
Na verdade, ao escrever o que escrevi, nada mais pretendia do que questioná-lo (melhor dizendo, espicaçá-lo)sobre se o "determinismo" (biológico ou outro)seria o fim proposto.
Não é ...tudo esclarecido, então.

Ab.,

Carlos Fiúza

vitorino almeida ventura disse...

Espero

que goste da brincadeira do poça/possa...

Anónimo disse...

Caro JLM

Se isto é para demostrar qualquer tipo de lição de vida para demonstrar aquilo que durante décadas não foi publicado ou tornado público, acho que é tardio, pois neste momento já não existe o pensamento de impunidade que em outros tempos havia, homem era homem e a mulher era submissa, a sociedade cresceu e além de haver mais compreensão, a mulher já não é só dona de casa e ama dos filhos, é muitos mais do que isso, quantas mulheres digam-me não valem mais do que muitos homens?

Anónimo

Unknown disse...

Caro anónimo:
Tente ir por outro lado.Tente ver como muitas vezes se juntam pessoas com feitios incompatíveis,como determinadas pessoas trazem dentro de si forças que mandam mais que o seu próprio querer(a mulher que nao consegue resistir ao seu impulso sexual,os filhos que nao conseguem deixar de ser iguais ao pai) e a ausencia de um sentido de justiça em tudo isto.
JLM

Anónimo disse...

Muito interessante...
Já podiam ter falado da mulher na literatura portuguesa. Gil Vicente no <> decreve o comportamento adúltero da protagonista enquanto o seu marido andava no mundo dos descobrimentos. Eça de Queirós, no seu romance <> também descreve a aventura da Luísa com o Primo, como consequência dos "vícios morais" da época...
Acho esta focagem também interessante!

Aprovecho para enviar un fuerte abrazo a Rui y saludar a los todos los demás escritores de este blog.

Abraço, Roberto