quinta-feira, 15 de abril de 2010

Daqui e dali... Vitorino Almeida Ventura

Do Desertificando:
o livrinho vermelho de Mao


Na Holanda, por questões de educação,
mas também por inexistência física,
é impossível atirar um calhau a alguém.
Imagine o que isso representa para uma pessoa de ascendência transmontana
.”
J. Rentes de Carvalho

Tendo estado ausente de Carrazeda, no momento em que voltei, passados meses, parece que nada se moveu. E a energia gasta é apenas aquela do pó a pó… a que tornamos. Me explicando melhor:

Saí, com o grande debate do cemitério. Voltei e a lei da entropia me fez encontrar – uma cultura de um livro só: como nos anos 70, mas será que cá como lá o livrinho vermelho de Mao substitui tudo? Assim, tudo se mantinha em torno dos restos mortais… de um lixo depositado algures.

E aqui estou eu, de joelhos, porque li “A Cidade” de Aristófanes. Um dos problemas de Atenas, digo, de hoje, é o da des_
responsabilização dos cidadãos. Como J. Rentes de Carvalho é de Estevais, Mogadouro, uma das maiores escritoras nacionais, Dulce Maria Cardoso é natural de Fontelonga, Carrazeda de Ansiães. Dulce disse ao Ípsilon: «Nós humanos somos moralmente irresponsáveis em geral. Cumprimos o bem a que estamos obrigados, cumprimos o que está legislado. Não roubar!, não matar!, são imperativos de ordem moral que têm apoio legal. Os imperativos de ordem moral que não têm apoio legal têm tendência a ser transgredidos.». Assim,

venho aqui humildemente co-responsabilizar-me pelo lixo depositado algures, porque terei em toda a minha vida já depositado n cascas de bananas e laranjas, e chicletes (há que tempos!, mas demoram 5 anos a decompor-se), ah, e n papelinhos (vão tempos, mas demoram entre 3 a 6 meses a…), e plásticos de rebuçados e chocolates (demoram 100 anos!), a monte. Por isso, tenho de agradecer a todos os que foram ajudar a “Limpar Portugal”, apenas (mas é maiúsculo este: APENAS) porque isso me obriga a reflectir e a ser cada vez melhor cidadão. Mas também contra a mesma lei da entropia, vos venho dizer que Carrazeda me interessa

mais por aquilo que partindo dela a transcende, tão acima dessas pequeninas questiúnculas de propriedade das terrinhas de honra e bom nome, que apenas servem para cada um tirar o seu cavalinho da chuva da responsabilidade. Por isso, gostaria de partilhar muito convosco o EP do projecto A BETA MOVEMENT de Pedro Cordeiro (e Secundino), dois artistas plásticos criativos, desde a capa à composição… Apenas

lhe faltando uma corda vocal mais – como dizer?, se não gosto muito do temo… - “competente” à singularidade da sua Voz. E, para finalizar, gostaria de partilhar convosco um trecho do primeiro romance “Campo de Sangue” da escritora Dulce Maria Cardoso (Prémio da União Europeia para a Literatura, em 2009):

O homem não sabe como gastar os dias. Alguém o avisa de que o tempo é um material perigoso nas mãos de quem não o sabe usar. A mulher propõe-se comprar o amor do marido que abandonou. Afirma que tudo tem um preço, apesar de nunca ter pensado que o preço pode ser o da traição. A mãe garante que não tem culpa de ter gerado um assassino, ninguém tem mão no futuro. Tem o coração tão adormecido que nem a dor e a vergonha são capazes de o acordar. A dona da pensão quer salvar o negócio a todo o custo, pelo que não se importa de perder a alma. Só a televisão lhe valerá e por ela dará graças. Uma grávida com cabelos louros de menina e sandálias de cabedal não quis o filho que, alheio à sua vontade, se completa, segundo a segundo, na sua barriga. Dela se diz que não tem capacidade para distinguir o bem do mal. As crianças procuram tesouros nas paredes dum prédio que se esboroa. Os velhos roubam flores para as venderem no passeio ao fim da tarde. A cidade, uma teia de olhos e passos, apanha quem nela cai. E o mar sempre tão perto. A beleza pode ser um pretexto para se enlouquecer. A beleza e a solidão. Mas é o desespero que faz acreditar que se pode roubar o coração de quem se ama.

Vitorino Almeida Ventura

13 comentários:

Anónimo disse...

VAV,ainda bem que destacas o trabalho do Pedro C. E já agora: é do temo ou do termo «competente»? E diz claramente: acreditas mesmo ser igual o lixo das tuas cascas de banana à lixeirada, no monte?
Visconde de Já Cá Esteve

Unknown disse...

Um génio este VAV. Já tinha lido a passagem transcrita de Dulce Maria Cardoso e não me tinha apercebido da sua riqueza humana.
Afinal,só lendo depois dele,é que vejo melhor. E sinto. Porque é uma questão de sensibilidade,que ele tem e que em mim está embotada.
Quanto à sujidade,é preciso que todos nos asseemos mais e mais,de corpo e alma e no exterior a nós.
JLM

vitorino almeida ventura disse...

Olá, Visconde,

este plebeu se confessa: errei, uma vez mais, se essa é uma qualidade dos humanos. Que sim, que devia ler-se do termo e não do temo.

Quanto à 2ª questão, não me interessa tanto a quantidade nem a qualidade do «lixo». Penso que, mais importante do que atirar pedras ao Grande Outro, é todos devermos contribuir para um ambiente mais sadio, com pequenos ou grandes gestos, como foi o caso do «Limpar Portugal». Apenas e só, uma vez estar também na qualidade de poluidor, e não me importar nadinha de nada em assumir Mea culpa e de tentar ser mais Verde,da próxima vez.

Manda sempre,

Vitorino.

vitorino almeida ventura disse...

Quanto ao comentário de JLM,que não vi na altura em que respondi ao nobre Visconde,

agradeço, mas reenvio a qualidade de génio à Dulce Maria Cardoso.

Ab.,

Vitorino

Anónimo disse...

O engº Pedro Cordeiro é daqui da Carrazeda. Mas a d.ra Dulce nunca a vi. Li na página on-line da ASA que é formada em Direito. Não estudou aqui na Carrazeda, ou estudou? Embora mais novo, não tenho ideia nenhuma dela. Relativamente ao lixo não concordo nada com o dr. Matos nem com o prof. Ventura. O Bloco de Esquerda não deveria ter assumido que errou? Ou acham bem lavarem-se as mãos como Pilatos, sacrificando-se o candidato a vice-presidente da Câmara? E não é mais grave, como no caso da pedofilia da Igreja, que sejam os moralistas a fazê-lo?
J. C.

Anónimo disse...

Si vera est fama …

Um dos grandes processos por meio dos quais a linguagem humana remedeia ou atenua suas muitas insuficiências – é a comparação.
Comparando, estabelecemos confronto; imaginando semelhanças, descobrindo parecenças, o homem completa juízos, esclarece pensamentos, descreve o difícil de descrever, relata acções, traça caracteres, desenha retratos morais e físicos, em suma representa por imagens muitos conceitos.

Um ror de comparações baila na boca de todos nós, ora em jeito do significado de adjectivos, ora em auxílio da acepção de verbos, ora em remate ou complemento de frases.

A expressão desataviada, a fala de cotio, quer a linguagem popular, quer a linguagem oral dos cultos precisam da comparação simples ou até da própria imagem comparativa.

Na arte literária abundam as comparações, e a poesia, então, é um mundo de imagens metafóricas, prosopopaicas e alegóricas.

Votorino Almeida Ventura tem tudo isso … é um Autor que usa todas estas comparações!

Com ele fica-nos como proveito o aprender-se quanta inteligência, bom gosto, verdade, naturalidade, sinceridade são precisas para que as imagens se tornem agradáveis, sugestivas, numa palavra – belas.

Comparações de simbolismo poético facilmente se encontrarão na sua prosa … mesmo não escrevendo em verso descreve-nos inspiradoramente, com imaginosa representação, aspectos de beleza.

Escrevi-lhe um dia:

“Rica a sua prosa, sim. Rebuscada, não!”

Mantenho esta apreciação; a figuração que emprega, bem conduzida pelos elementos comparativos, leva-me a aceitar, sem esforço, um efeito de inesperada representação.

Muitas vezes basta embriagar a sensibilidade para se fazerem admitir imagens singulares.

Um abraço, pois, Amigo Vitorino.


Carlos Fiúza

Anónimo disse...

Grande cena, a do Pedro! Vejam e ouçam no my space Casper (the white ghost)! É música alternativa do melhor! As imagens da tvs, das cadeiras e das portas são altamente!
Radio head

Anónimo disse...

Sábia e certeira, a análise teórico-literária de Carlos Fiúza!

h.r.

Anónimo disse...

Em primeiro lugar,

gostaria de agradecer ao Carlos Fiúza e ao Helder Rodrigues as palavras amáveis que tiveram para comigo, mas gostaria de virar o foco para o Pedro Cordeiro e a Dulce Maria Cardoso. Depois,

cumprimentar J. C. e dizer-lhe que tem todo o direito de discordar de mim e de João Lopes de Matos sobre a «lixeira». Mas temos de ser democratas, sabe? O J. C. pensa de uma maneira, eu se calhar, em parte posso até concordar consigo, mas também dou o direito a que, por exemplo, porque a ele se refere, que José Mesquita pense e aja de outra forma. Aliás, é importante para o concelho que haja uma verdadeira consciência crítica, não importa se no blogue p-ansiaes se corta isto e se no blogue p-carrazeda se corta aquilo, (os proprietários não têm de obedecer a outras regras que não as de seu Gosto), todos sendo poucos para ajudar o concelho.

Mas, para não fugir às suas questões, e é a última vez que me vou referir a isto!, porque não me interessa cair neste debate sobre os «restos mortais»,se eu estivesse à frente de uma qualquer organização, talvez pela minha natureza frágil de líder, assumiria os erros de todos os meus colaboradores. Mas isso é apenas, repito, um sinal da minha fraqueza. Noutro dia li um projecto literário de José Carlos Barros, excelente poeta, por acaso transmontano, que partia de uma história de um filho que se entrega por um crime cometido pelo pai... E entrega-se por algo que outro cometeu. Isso para mim é grandioso, a que acresce uma educação cristã, e essa entrega maior do que o mundo, na Passagem para o Além... Mas, concedo perfeitamente que outros (que não partilhem do mesmo simbólico) possam sentir que nada fizeram e que, por isso, não têm nada a ver com a sujidade «alheia». Mas

leiam a Dulce, ouçam e vejam o Pedro,

Vitorino

Unknown disse...

Caro J.C.:
O facto é assumido por um elemento da lista do BE.Isso parece suficiente.A explicação está dada.
Para quê mais?
Esqueçamos e passemos adiante.
Será que os assuntos a tratar em Carrazeda se resumem a lixos não tratados, a cemitérios, a centros cívicos e piscinas que não abrem e à necessidade de casas mortuárias?
Não haverá nada de mais positivo?
Também não gosto de julgamentos ou de confissões de culpas.
Quanto à Igreja Católica basta-me que os seus elementos anuam nas suas características, além de outras,humanas, isto é,de animais humanos,para eu poder concluir que,nessa condição, são capazes de praticar o que os da mesma espécie praticam e que,como os demais,precisam de ser,sobretudo, tratados para que certos impulsos possam ser controlados.
Quanto a outro tema,o celibato,claro que todos sabemos que a maioria das pessoas a ele obrigadas não o cumpre,dada a mesma característica da animalidade humana.
JLM

Anónimo disse...

É, é, mas tanto o douto João como o Vitorino estão de ser ingénuos. Não estão cá, não minam o problema de frente. O Bloco de Esquerda não se rresponsabilizou pelo lixo da sua campanha, foi o Paulo Moura coraJOosamente em nome individual. E sabem porque? Porque o Bloco de Esquerda em Carrazeda vai fondo: é o boloco do Mesquita. Só se fora o Mesquita a lançar o lixo é que o Bloco de Esquerda assumia.Os outros são figurinhas de curativas. Peões a sacrificar, à primeira neCEcessidade. Esta é, senhores, a moral da histtória.
Carrazedense Atento

vitorino almeida ventura disse...

Importam-se de centrar os comentários na música de A Beta Movement e nos livros da Dulce M. Cardoso?

Obrigado,

Vitorino

Anónimo disse...

Em Portugal por questões de educação mas também pela abundância física, é difícil não se atirar pedra a alguém...
Ass. Era uma vez na Holanda