O “discurso” da dor
Além da vantagem de nos fazerem pensar que a vida são dois dias e que este edifício corporal que nos envolve tem de ir abaixo algum dia pelos serviços de urbanização da Câmara Universal, as doenças podem dar-nos, por vezes, outras vantagens inesperadas.
Por exemplo, a mim as doenças deram-me isto: assunto de interesse filológico-filosófico.
Venho, assim, falar da saúde e mais ainda da falta de saúde ou doença.
Escusado será definir saúde. Todos sabem o que ela é, e melhor a conhecem os que por ela aspiram e suspiram.
Saúde quer dizer, na essência, a salvação. A salvação de que? A salvação da vida, plena e feliz.
A saúde é a conservação da vida. O estado daquele que se encontrava salvus, isto é, salvo, inteiro, incólume do mal, são, era em latim salus.
Porque é que em português se interroga: “Como vai essa saúde?”. E porque é que se diz: “Boa saúde?”. Porque já no latim salus podia admitir o sentido de bom ou mau estado.
Quando falta a saúde, vem a chamada doença substitui-la.
Se há palavra triste, antipática, temida, essa palavra é doença. Feia pelo que traduz de multidão de males, cortejo de sofrimentos, rio de dores. A doença é como que a personificação do castigo de viver sofrendo.
Doença prende-se com dolens, dolentis, o que sofre, o que sente dor física ou moral.
Vemos assim que no português a palavra antónima de saúde, a doença, contem a ideia predominante de dor.
O nosso Luís de Camões que adjetivou a doença de “pálida”, falou da frialdade do seu toque e esta qualificação é expressiva:
“A pálida doença lhe tocava
Com fria mão o corpo enfraquecia.”
Estes versos camonianos (Os Lusíadas, III, 83) exprimem bem com duas simples palavras (pálida doença … com fria mão) toda a impressionante imagem do sofrimento que nega ou arrefece a vida.
E até se diz: “Boas melhoras”.
Indagarei: haverá melhoras más? Se são melhoras, a que vem o “boas”, com dizer-se “boas melhoras”?
De facto, o dito - Boas melhoras, se arrelia a arrelienta gramática, não arrelia a lógica e a triste verdade da vida, na qual há, de facto, - “boas melhoras” e há as melhoras falsas, ilusórias e, portanto, más.
Mas a doença toca a todos.
E, quando o esqueleto não é bem servido pelas carnes que o envolvem, em geral pede cama, para descansar, porque as forças escasseiam e a posição horizontal, terra a terra, é a mais cómoda.
Estamos doentes, dizem-nos… o País está doente.
Assim o soube pelo “discurso da dor” do Presidente do meu País…
…assim me foi dito que a “doença” minava esta minha Pátria.
Mas o que não me foi dito (mas que fingi ouvir) é que a doença que a todos nos corrói é só de corpo, não de espírito.
A maior riqueza desta vida é a saúde e a maior pobreza a doença.
Pois conservemos a riqueza da saúde espiritual, já que a material está cara muita vez.
Carlos Fiúza
2 comentários:
O país está mesmo doente...
E todos sabemos qual o "vírus" que nos pôs assim...
os políticos que nos governaram Cavaco incluido
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