quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Daqui e dali... Carlos Fiúza

O macaco e eu
Eis uma palavra (macaco) que, parecendo que não, pode envolver-se em mistério e também em interesse.
E digo isto, não porque pretenda engolfar-me no transcendente problema da origem das
espécies, para repelir a insinuação darwinista de o homem ser o último modelo da macacaria universal, mas porque pouco ou nada se sabe a respeito do seu nome, bem como a respeito da interpretação de uma ou outra locução em que entra.
Além destes mistérios, de que falarei daqui a nada, o macaco oferece, para consideração, a sua presença em vários jeitos de semântica. Ajunte-se a isto o haver ditos de cunho português, como aquele que um dia causou um formidável assombro linguístico a certo amigo meu, americano, a quem informei que o “I´ll be shot” da língua inglesa se traduz por “macacos me mordam”.
Macacos me mordam, se percebo isto”, eis uma frase idiomaticamente portuguesa, capaz de atarantar estrangeiros e que desafia o mais pintado filólogo a documentar-lhe o nascimento.
Se me dão licença, eu até vejo na palavra “macaco” um documento afirmativo das nossas precursoras andanças em terras do Antigo Continente e do Novo Continente.
Parece cómica esta afirmação de o “macaco” ser um documento provador de nossa prioridade europeia no trato com macacos em selvas africanas e americanas. Mas é assim mesmo. E, se não, vejamos.
Quanto à origem da palavra “macaco”, só há hipóteses. Nasceu o nome em África, nasceu na América do Sul? Na Guiana, em Madagáscar, no Congo (como parece mais provável)? Mistério.
Pelo glossário de afro-negrismos do brasileiro Fernando Ortiz, aprende-se que “macaca” é palavra afro-negra com o sentido de “fantasma” e, por extensão, desgraça, morte por assombração e infortúnio.
Esta explicação não está mal pensada. Mas duvido dela, porque, o sentido vernáculo da expressão é, como se lê numa das edições de Morais, ”morrer de morte violenta e apressada”.
Ora, a pressa não dá tempo para a gente ver fantasmas, assombrar-se e morrer, em seguida, de modo desastroso.
Pendo mais para a seguinte explicação que formulo com o mesmo direito com que os outros formularam suas hipóteses.
- A desgraça não agrada a ninguém, e todos a acham horrível, feia.

Toda a gente sabe que a palavra “macaca” não só designa a fêmea do macaco, mas também designa “mulher feia”.

Fácil é, pois, que à “desgraça”, à “má sorte” se chame “macaca” quer, nos longes do tempo, isto seja, ou não, inspirado no sentido de fantasma que macaca haja em linguajares africanos.
O povo português diz “estar com a macaca” a referir que se está em companhia da mofina, com sorte azarenta. Ora, entre esta expressão “estar com a macaca”, isto é, com a infelicidade, e “morrer de morte macaca”, isto é, morrer por morte infeliz, suponho toda a gente ver comigo a relação semântica.
Morte macaca” deve pois, a meu ver, interpretar-se como aquela morte desastrosa, apressada ou inglória, que a “macaca”, isto é, a “má sorte” originou.
Macacoa” dizem os dicionários modernos ser uma doença sem importância.
Mas quem abrir velhos dicionários, como o de Morais ou de Vieira, terá “macacoa” no sentido de “doença grave”.
Ora, o sentido inicial de doença grave, atribuído a “macacoa”, reforça a semântica de infelicidade que se vê em “estar com a macaca” e em “morrer de morte macaca”.
Aprende-se na Zoologia que os macacos do Antigo Continente (gorila, chimpanzé, orangotango e gibão) apresentam carateres análogos ao homem, donde o nome de antropoides, isto é, semelhantes ao homem. A palavra orangotango (ensina, por seu turno a Filologia) vem de elementos malários com o significado de “homem dos bosques”. Isto, do ponto de vista estritamente zoológico, não tem contestação, pois o homem e o macaco ficam de braço dado na
ordem dos primatas, isto é, os primeiros na classificação dos mamíferos.
Sabe-se que os antropoides são astuciosos e maus, embora sociáveis. Desta sociabilidade manhosa e, por vezes, cruel veio, por exemplo, o dizer-se que fulano ou sicrano é “macaco”, ou, antes, é um “grande macacão”.
O conhecimento da esperteza maldosa macaqueira deu origem a ditos como o português “ladino como um macaco”, ou como o francês “malin comme un singe”.
A imitação é muito da psicologia antropoide (e tenham a bondade de desculpar o termo psicologia aplicado com generosidade).
Não é só em português que se diz “macaquear”, ser “macaco de imitação”, etc. Nas demais línguas os vocábulos correspondentes envolvem o mesmo sentido.
Ora eu vou ao dicionário latino de Quicherat e vejo que, já no latim de Séneca, aparece a palavra “simius” a referir “imitador”, e em outros dicionários latinos regista-se de Horácio a mesmíssima aceção para o mesmíssimo vocábulo.

Seriar frases como “vá pentear macacos”, “vá bugiar” (de “bugio”, isto é, macaco da cidade argelina de Bugio), discutir étimos para saber se “mono”, por exemplo, vem do persa ou do turco ou grego, ser-me-ia ainda possível. Mas afastava-me do meu intento, qual o de, após ter vincado a portuguesidade do vocábulo “macaco”, referir a contribuição dada pela macacaria à semântica portuguesa e também estrangeira, antiga e moderna.

Cumpre-me fazer ainda a devida referência ao venerando equivalente “mono”.
Também, aqui, se verifica a utilização do termo como tradutor de processos humanos de esperteza: “pregar o mono”, por exemplo, isto é, enganar, iludir, lograr.
Como se sabe, os macacos nos anos tardos da vida caem num marasmo neurasténico, que serviu para qualificar o seu “camarada” na ordem zoológica, o “Bicho Homem”, quando este é de poucas falas, macambúzio.
Assim se explica a utilidade do termo expressivo “mono” para mencionar os quietos em demasia.
E até os livreiros e outros comerciantes aplicam a palavra a referir coisa que não se vende e fica em armazém como se fora um “mono”.
Que mais dizer de macacos, nesta digressão pela etimologia e pela semântica?
Guardei para o fim uma curiosa dúvida que merece, pelo seu pitoresco, encerrar a semântica macacal:

- Não será este escrito um caso grave de “macaquinhos no sótão”?

Carlos Fiúza

9 comentários:

Anónimo disse...

Artigo muito interessante e muito esclarecedor de muitas expressões que são usadas todos os dias.
Uma autêntica macacada!
Parabéns pelos seus textos.
M

mario carvalho disse...

Permita que o felicite mais uma vez

estou certo de que muitos que que pensam que não são macacos não compreenderam enquanto que muitos macacos mesmo sem pensar compreenderam

não será é o, permita-me acrescentar o "fim da macada" porque ela não evolui ... adapta-se

Adoro os seus textos

cumprimentos

mario carvalho

Anónimo disse...

Excelente artigo. Muito curioso e engraçado.
Maria

Anónimo disse...

O jogador uruguaio do Benfica, Maxi Pereira, é conhecido como EL MONO (o macacao), aludindo, pelos vistos, à sua forma de andar...

WM

Anónimo disse...

Segundo o Dicionário de Lindley Cintra, é macacão.

Cumprimentos,

LVS

Anónimo disse...

WM: mais um pseudónimo de um conhecido benfiquista escrivão local, que, como se sabe não é nenhum macacao.

Anónimo disse...

Como dizia o outro: E o macaco (burro) sou Eu !!?

Anónimo disse...

Macacos me mordam! Não tinha conhecimento de tanta macacada!!!
Ass. Fato de Macaco

Anónimo disse...

Fico sem saber,ao ler este artigo,se o autor se quer aproximar do macaco ou afastar-se dele.Refere-se a muitas características nossas como sendo semelhantes às do macaco,dando a entender que nós somos a continuação,aperfeiçoada,do símio.
No entanto,parece-me querer também colocar-se num plano qualitativamente diferente. Em que ficamos:somos semelhantes ao macaco ou constituímos uma realidade totalmente diferente?
Macacos me mordam se percebi o seu entendimento.
JLM