Manuel Alegre diz que Portugal não pode estar sujeito à pressão dos mercados. Pois muito bem. Alegre pode "fechar" Portugal, mas, a seguir, tem de dizer que o Estado Social acaba amanhã, porque esse Estado Social é sustentado pelos malvados "agiotas".
I. As mudanças na lei laboral são uma "uma cedência aos agiotas, a Bruxelas, ao grande capital financeiro" (in Expresso). Não, não é Cunhal em 1980. É Manuel Alegre em 2010. Mas o pior é que esta linguagem jurássica (como podem ver, eu sou um perigoso informador dos americanos) esconde um pensamento perigoso, ou melhor, esconde a ausência de pensamento. E este vazio é visível no seguinte raciocínio: Alegre diz que "é inaceitável que os estados democráticos estejam num estado de absoluta dependência dos mercados". Ora, pois muito bem. Alegre tem todo o direito a pensar que Portugal não pode estar sujeito aos mercados. Só há aqui um problema: Alegre dá a entender que foram os mercados que atacaram a política; dá a entender que esta crise é o resultado da acção dos mercados financeiros. Ou seja, Alegre olha para o efeito (mercados a apertar as exigências) e não para a causa (estados viciados em dinheiro emprestado).
II. Perante isto, é preciso relembrar o óbvio: foram os políticos que pediram dinheiro emprestado aos mercados (actividade conhecida pelo eufemismo de "dívida pública"). Em Portugal, os governos - durante os últimos 15 anos, pelo menos - governaram com base na dívida pública. Por outras palavras, o Estado Social de Alegre foi construído com o dinheiro emprestado pelos malvados agiotas. Neste sentido, não estamos a assistir a um duelo entre política e mercado. Estamos a assistir, isso sim, ao colapso de uma política assente no dinheiro emprestado pelos tais "agiotas", isto é, estamos a assistir ao colapso do socialismo democrático, tal como ele foi desenvolvido nas últimas décadas (em Portugal e na Europa).
III. Esta esquerda, que nos colocou neste beco sem saída, faz-se agora de vítima. "Ai, os malvados mercados". Uma tremenda hipocrisia, porque foram esses mercados que permitiram ao PS construir o actual Estado Social. Ano após ano, o dinheiro dos "agiotas" lá foi preenchendo o vácuo que separava as possibilidades de Portugal dos desejos dos portugueses . Ou seja, o dinheiro dos "agiotas" (adoro o termo agiota; funde o nojo ao dinheiro de muita esquerda e de muitos ultra-católicos) foi o instrumento que permitiu a suspensão da realidade. Através do seu trabalho, os portugueses conseguiam apenas x, mas queriam (x + y). E os políticos prometiam esse (x + y). Ora, pedir dinheiro emprestado aos agiotas foi o mecanismo encontrado para criar - do nada - esse + y. O nome desta fórmula é "direitos adquiridos". Tem como apelido "Estado Social".
IV. Ok, eu sei que Alegre não consegue compreender isto. Estamos em 2010, e Alegre tem a cabeça na Coimbra de 1960. Tudo bem. E até acho que ele não está a ser hipócrita. O problema é que está rodeado de hipócritas, que vivem desta hipocrisia organizada que se protege com os gritinhos do costume: "ai, os mercados".
Henrique Raposo, Expresso
1 comentário:
Para defender este socialismo de gaveta só mesmo o engavetado do Alegre...Volta Cacvaco que está perdoado!!
Ass. Potemkine
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