Bom independente é um mau militante
Agora que a espuma das eleições autárquicas já corre pelos rios até ao mar, onde rapidamente se diluirá, temos mais calma e menos paixão para abordar o assunto dos candidatos independentes.
Só no distrito do Porto, de Valentim Loureiro a Maria José Azevedo, passando por Narciso Miranda e Avelino Ferreira Torres, sem esquecer Fátima Felgueiras, tivemos candidatos independentes para todos os gostos e de todos os feitios. Se alargássemos o leque ao país, de muitos mais estaríamos a falar.
Tenho para mim que o verdadeiro candidato independente é aquele que nunca tendo pertencido a nenhum partido político, sentiu um apelo e uma vocação de serviço público e propõe-se como candidato aos seus conterrâneos. Apesar da utopia e da visão romântica da coisa, têm existido alguns exemplos para amostra.
Outra coisa bem diferente a meu ver, mas a que também se tem convencionado chamar independentes, são aqueles políticos que por esta ou aquela razão, por esta ou aquela zanga, são preteridos pela direcção do partido e resolvem concorrer por conta própria..
No actual sistema político-partidário, adoptado por todos os partidos com expressão (parlamentar ou autárquica) o processo de indicação e escolha dos candidatos não difere muito. Sendo o lugar apetecível ou a autarquia relevante, é solicitada e ponderada a sugestão do comité local do partido, mas é numa instância mais alta , a nível distrital ou até nacional, que o candidato é validado ou chumbado.
Ainda das últimas edições sobram casos destes com resultados que oscilaram entre o alívio, como em Matosinhos ou a profunda desilusão, como em Leiria.
Passadas as eleições chegou o momento dos partidos procederem áquilo que alguns apelidam de ajustes de contas. Promovendo a realização de inquéritos disciplinares ou até expulsando liminarmente quem prevaricou.
Ora bem. Descontada a linguagem que é obviamente afrontosa e deselegante, a verdade é que um candidato independente que decidiu concorrer nessa qualidade, sem se desvincular do seu partido, não é carne, nem é peixe.
Um bom independente só pode ser mau militante.
Não está em causa a liberdade de expressão, nem sequer o exercício dos direitos cívicos de qualquer cidadão. Não há nada na lei que impeça um militante de um partido de se candidatar como independente a uma autarquia. Mas há na ética e deve haver na cabeça de qualquer politico uma limitação voluntariamente aceite.
Se um cidadão entende que é o que melhor pode servir os interesses da sua freguesia ou do seu Concelho e o partido a nível local ou nacional não está de acordo com esse entendimento, existem dois comportamentos possiveis: ou o cidadão decide levar a sua avante e descarta o partido, ou decide acatar a vontade do partido de que é militante e descarta a sua candidatura.
Alguns candidatos independentes que optaram por se manter no partido suspendendo ou não a militância, alegam que os líderes mudam e o partido fica. E que os valores que os levaram a aderir ao partido se mantêm. Neles! Porque nos partidos , enfim....
Em minha opinião estes argumentos não colhem. Por um lado, os tempos e os partidos já não se coadunam com estes romantismos e por outro lado, não conheço nenhum partido que defenda o valor de algum seu militante poder concorrer contra o candidato escolhido pelo partido.
Os partidos existem para intermediar a relação entre os cidadãos e o poder. Quem deixa de acreditar na ideologia partidária deve sair. Mas quem deixa de acreditar na capacidade do partido promover a boa intermediação entre os eleitores e o cargos, também só pode sair pela mesma porta.
De preferência, pelo próprio pé!
Manuel Serrão,
JN